Singularidade Tecnológica

25.4.06

A Fusão Homem e Máquina: estamos indo na direção de Matrix?

por Ray Kurzweil

Muitos expectadores de Matrix consideram os elementos mais fantásticos do filme – computadores inteligentes, download de informações para o cérebro humano, realidade virtual indistinguível da vida real – como divertidos enquanto ficção científica, mas bastante remotos da vida real. Muitos expectadores podem estar errados. Conforme explica o renomado cientista computacional e empresário Ray Kurzweil, esses elementos são muito possíveis e é bem provável que eles se tornem uma realidade ainda durante nossas vidas.

A ser publicado em Taking the Red Pill: Science, Philosophy and Relogion in The Matrix (Ben Bella Books, abril de 2003). Publicado no KurzweilAI.net em 3 de março de 2003.

Matrix se passa em um mundo cem anos no futuro, um mundo que oferece uma ordem aparentemente miraculosa de maravilhas tecnológicas – programas sencientes (ainda que maléficos), a habilidade de baixar capacidades diretamente para o cérebro humano, e a criação de realidades virtuais indistinguíveis do mundo real. Para muitos expectadores esse desenvolvimento pode parecer pura ficção científica: interessante de ser considerado, mas de pouca relevância para o mundo fora da sala de cinema. Mas essa é uma visão limitada. Na minha visão, esse desenvolvimento irá se tornar uma realidade dentro das próximas três a quatro décadas.

Tornei-me um estudante das tendências tecnológicas como uma conseqüência de minha carreira como inventor. Se você trabalha em criar tecnologias, você precisa antecipar onde a tecnologia estará em certos pontos no futuro, de forma que seu projeto será praticável e útil quando estiver completo, e não apenas quando você o começar. Ao longo de algumas décadas de antecipação de tecnologia, tornei-me um estudante das tendências tecnológicas e desenvolvi modelos matemáticos de como tecnologias em áreas diferentes estão sendo desenvolvidas.

Isso me deu a habilidade de inventar coisas que utilizam materiais do futuro, não limitando minhas idéias aos recursos que temos hoje. Alan Kay lembrou, "Para antecipar o futuro precisamos inventá-lo". Assim podemos inventar com capacidades futuras, se tivermos alguma idéia de quais serão elas.

Talvez o insight mais importante que obtive, com o qual as pessoas são rápidas em concordar mas muito vagarosas em realmente internalizar e apreciar todas as suas conseqüências, é o passo acelerado da própria mudança técnica.

Um recebedor do Nobel recentemente me disse: "De jeito nenhum veremos entidades nanotecnológicas auto-replicantes por pelo menos cem anos". Sm, essa é de fato uma estimativa razoável da quantidade de trabalho necessária. Levará cem anos de progresso, na velocidade atual de progresso, para termos entidades nanotecnológicas auto-replicantes. Mas a velocidade de progresso não vai permanecer na atual; de acordo com meus modelos, ela está dobrando a cada década.

Realizaremos cem anos de progresso na velocidade atual de progresso em 25 anos. Os próximos dez anos serão como vinte, e os dez anos seguintes serão como 40. O século XXI será, portanto, como 20,000 anos de progresso – na velocidade atual. O século XX, por mais revolucionário que tenha sido, não teve cem anos de progresso na velocidade atual; desde que aceleramos até a velocidade atual, foram de fato quase 20 anos de progresso. O século XXI será aproximadamente mil vezes maior, em termos de mudança e alteração de paradigma, do que o século XX.

Muitas dessas tendências derivam de reflexões sobre as implicações da Lei de Moore. A Lei de Moore se refere a circuitos integrados e declara notavelmente que o poder computacional disponível por um determinado preço dobra a cada 20 a 24 meses. A Lei de Moore tornou-se um sinônimo do crescimento exponencial em computação.

Venho pensando sobre a Lei de Moore e seu contexto por pelo menos vinte anos. Qual é a verdadeira natureza dessa tendência exponencial? De onde ela vem? Ela é um exemplo de algo mais profundo e mais sério? Como mostrarei, o crescimento exponencial da computação vai substancialmente além da Lei de Moore. De fato, o crescimento exponencial vai além da simples computação, e se aplica a todas as áreas de tecnologias baseadas em informação, tecnologias que irão fundamentalmente remodelar nosso mundo.

Observadores têm apontado para o fato de que a Lei de Moore irá chegar a um fim. De acordo com a Intel e alguns outros especialistas da indústria, ficaremos sem espaço em um circuito integrado dentro de quinze anos, porque os atributos principais terão apenas alguns átomos de espessura. Então será esse o fim do crescimento exponencial em computação?


Essa é uma pergunta muito importante, ao considerarmos a natureza do século XXI. Para resolvê-la, coloquei 49 computadores famosos em um gráfico exponencial. Abaixo, na mão do canto inferior esquerdo está o maquinário de processamento de dados usado no censo norte-americano de 1890 (um equipamento de cálculos que usava cartões perfuráveis). Em 1940, Alan Turing desenvolveu um computador baseado em transmissões telefônicas (relays), que decifrou a enigmática criptografia alemã e deu a Winston Churchill uma transcrição de quase todas as mensagens Nazistas. Churchill precisou usar essas transcrições com grande discrição, porque ele percebeu que usá-las poderia dar a dica aos alemães prematuramente.

Se, por exemplo, ele tivesse avisado as autoridades em Coventry que sua cidade estava para ser bombardeada, os alemães teriam visto os arranjos e percebido que seu código tinha sido decifrado. Contudo, na Batalha da Bretanha, os pilotos ingleses pareciam “magicamente” saber onde estavam os pilotos alemães o tempo todo.

Em 1952, a CBS utilizou um computador mais sofisticado, baseado em tubos de vácuo, para prever a eleição de um presidente dos EUA, o presidente Eisenhower. Na mão do canto superior direito está o computador que está na sua mesa, neste momento.



Um insight que podemos perceber nesse quadro é que a Lei de Moore não foi o primeiro, mas o quinto paradigma a fornecer crescimento exponencial de poder computacional. Cada linha vertical representa o movimento para um paradigma diferente: eletro-mecânico, baseado em transmissão, tubos de vácuo, transístores, circuitos integrados. Cada vez que um paradigma perdia sua força, outro paradigma entrava em ação e continuava de onde aquele havia parado.

As pessoas são rápidas em criticar tendências exponenciais, dizendo que no fim elas terminam ficando sem recursos, como os coelhos na Austrália. Mas cada vez que um paradigma particular alcançava seus limites, outro método, completamente diferente, continuava o crescimento exponencial. Eles foram fabricando tubos de vácuo menores e menores até que finalmente chegaram ao ponto em que não poderiam fazê-los ainda menores e manter o vácuo ao mesmo tempo. Então vieram os transístores, que não são apenas tubos de vácuo pequenos. Eles são um paradigma completamente diferente.

Cada nível horizontal, nesse gráfico, representa uma multiplicação de poder computacional por um fator de cem. Uma linha reta em um gráfico exponencial significa crescimento exponencial. O que vemos aqui é que a velocidade de crescimento exponencial está por si só crescendo exponencialmente. Dobramos o poder computacional a cada três anos no começo do século, a cada dois anos na metade, e agora estamos dobrando a cada ano.

O que o sexto paradigma será é óbvio: computação em três dimensões. Afinal, vivemos num mundo tridimensional e nosso cérebro é organizado em três dimensões. O cérebro utiliza um tipo muito ineficiente de circuito. Os neurônios são "dispositivos" muito grandes, e eles são extremamente vagarosos. Eles usam sinalização eletro-química, que produz apenas aproximadamente 200 cálculos por segundo, mas o cérebro consegue seu prodigioso poder de computação paralela como resultado de sua organização em três dimensões. Tecnologias de computação em três dimensões estão começando a emergir. Há uma tecnologia experimental no Media Lab do MIT que possui 300 camadas de circuitos. Em anos recentes, vem havendo passos largos e substanciais no desenvolvimento de circuitos tridimensionais que operam a nível molecular.

Nanotubos, meus favoritos, são arranjos hexagonais de átomos de carbono que podem ser organizados para formar qualquer tipo de circuito eletrônico. É possível criar o equivalente de transístores e outros dispositivos elétricos. Eles são fisicamente muito fortes, com 50 vezes a força do aço. As questões térmicas parecem ser controláveis. Um cubo de uma polegada de circuitos de nanotubos seria um milhão de vezes mais poderoso do que a capacidade computacional do cérebro humano.

Nos últimos anos, houve um oceano de mudanças no nível de segurança, na construção de circuitos tridimensionais com a capacidade de ao menos emular inteligência humana. Isso trouxe à tona uma questão mais importante, ou seja "a Lei de Moore pode ser verdadeira para hardware, mas não é para software".

Com minhas próprias quatro décadas de experiência em desenvolvimento de software, acredito que este não seja o caso. Produtividade de software é algo que tem melhorado muito rapidamente. Como um exemplo de uma de minhas companhias, em 15 anos fomos de um sistema de reconhecimento de fala de U$5,000 que mal reconhecia mil palavras, sem continuous speech, para um produto de U$50 com um vocabulário de cem mil palavras que é de longe mais preciso. Isso é típico em produtos de software. Com todos os esforços em novas ferramentas de desenvolvimento de software, a produtividade também tem crescido exponencialmente, ainda que com um exponencial menor do que o que vemos em hardware.

Muitas outras tecnologias estão melhorando exponencialmente. Quando o Projeto Genoma foi iniciado, há aproximadamente 15 anos, céticos apontaram para o fato de que, na velocidade em que poderíamos mapear o genoma, levariam 10,000 anos para terminar o projeto. A visão mainstream era a de que o projeto poderia receber aperfeiçoamentos, mas de forma alguma o poderia estar completo em 15 anos. Mas o custo-benefício e o ritmo de transferência de sequenciamento de DNA dobraram a cada ano, e o projeto estava completo em menos de 15 anos. Em doze anos, fomos de um custo de U$10 para seqüenciar um par de bases de DNA para um décimo de um centavo.

Até mesmo a longevidade tem melhorado exponencialmente. No século XVIII, a cada ano adicionávamos alguns dias de vida à expectativa de vida humana. Durante o século XIX, a cada ano, adicionávamos algumas semanas. Agora estamos adicionando cerca de 120 dias a cada ano à expectativa de vida humana. E com as revoluções ainda em um estágio inicial em genômica, clonagem terapêutica, projeto racional de medicamentos, e outras transformações da biotecnologia, muitos observadores, incluindo eu mesmo, antecipam que dentro de dez anos estaremos adicionando mais de um ano, a cada ano. Então, se você puder segurar aí por mais dez anos, chegaremos à frente da poderosa curva e poderemos viver tempo suficiente para ver o extraordinário século posterior.

A miniaturização é outra tendência exponencial muito importante. Estamos tornando as coisas menores a uma velocidade de 5.6 por dimensão linear por década. Bill Joy, em um ensaio seguindo este aqui, tem, como uma de suas recomendações, a de essencialmente abdicar da nanotecnologia. Mas a nanotecnologia não é um único campo, unificado, empreendido apenas por nanotecnólogos. A nanotecnologia é simplesmente o resultado final da tendência difusiva de tornar coisas menores, o que temos feito por muitas décadas.



Acima, um quadro do crescimento exponencial em computação, projetado dentro do século XXI. Neste momento, seu típico PC de U$1,000 está em algum lugar entre o cérebro de um inseto e o de um rato. O cérebro humano tem aproximadamente 100 bilhões de neurônios, com cerca de 1,000 conexões de um neurônio para o outro. Essas conexões operam muito devagar, na ordem de 200 cálculos por segundo, mas 100 bilhões de neurônios vezes 1,000 conexões cria um paralelismo de 100 trilhões de dobras. Multiplicando isso por 200 cálculos por segundo tem-se 20 milhões bilhões de cálculos por segundo ou, em terminologia computacional, 20 bilhões de MIPS. Teremos 20 bilhões de MIPS por U$1,000 pelo ano de 2020.

Agora, isso não vai nos dar, automaticamente, níveis humanos de inteligência, porque a organização, o software, o conteúdo e o conhecimento embutidos são igualmente importantes. Abaixo, abordo o cenário no qual prevejo alcançarmos o software da inteligência humana, mas pressuponho ser claro termos o poder computacional necessário. Por 2050, U$1,000 de computação será igual a um bilhão de cérebros humanos. Isso pode acontecer em um ano ou dois, mas o século XXI não estará precisando de recursos computacionais.

Agora, vamos considerar o sistema de realidade virtual previsto por Matrix – uma realidade virtual que é indiscernível da realidade verdadeira. Isso seria possível, mas critico um ponto. O pesado cabo entrando na haste cerebral de Neo serviu para um visual poderoso, mas é desnecessário; todas essas conexões poderiam ser sem fios. Vamos para 2029, juntando algumas das tendências que abordei. Por essa época, poderemos construir nanobots, robôs de tamanho microscópico que podem entrar em nossos vasos capilares e viajar através de nosso cérebro, além de mapear o cérebro por dentro. Podemos construí-los muito pequenos, mas vamos poder fazê-los suficientemente pequenos.

O Departamento de Defesa está desenvolvendo minúsculos dispositivos robóticos chamados "Smart Dust". A geração atual é de um milímetro – que é grande demais para esse cenário – mas esses minúsculos dispositivos podem ser lançados de um avião e encontrar posições com excelente precisão. Você pode ter vários milhares desses em uma rede local sem fios. Eles podem captar imagens, comunicar-se entre si, coordenar-se, mandar mensagens de volta, agir como espiões quase invisíveis, e cumprir uma variedade de objetivos militares.

Já estamos construindo dispositivos do tamanho de hemáceas, capazes de ir para dentro da corrente sangüínea, e existem quatro grandes conferências sobre o tópico "bioMEMS" (biological Micro Electronic Mechanical Systems). Os nanobots que prevejo para 2029 não irão precisar, necessariamente, de sua própria navegação. Eles poderiam se mover involuntariamente pela corrente sangüínea e, conforme viajam por características neurais diferentes, comunicar-se com elas da mesma forma que agora nos comunicamos com as diferentes células dentro de um sistema de telefone celular.

O mapeamento cerebral, as velocidades e custos envolvidos estão todos explodindo exponencialmente. Com cada nova geração de mapeamento cerebral, podemos ver com uma resolução cada vez mais precisa. Existe uma tecnologia hoje que nos permite ver muitos dos detalhes importantes do cérebro humano. É claro que ainda não existe um entendimento total quanto à quais são esses detalhes, mas podemos ver características cerebrais com uma resolução muito alta, desde que a ponta to scanner esteja bem próxima das características. Podemos mapear um cérebro hoje e ver a atividade cerebral com detalhes muito precisos; tendo apenas que mover a ponta do scanner através de todo o cérebro, de forma que ele esteja muito próximo de cada característica neural.

Agora, como vamos fazer iso sem bagunçar as coisas? A resposta é mandar os scanners para dentro do cérebro. Por padrão, nossos capilares viajam por cada conexão interneural, cada neurônio e cada característica neural. Podemos mandar bilhões desses robôs de mapeamento, todos em uma rede local sem fios, e eles mapeariam o cérebro de dentro e criariam um mapa de altíssima resolução de tudo o que está acontecendo.

O que vamos fazer com a massiva base de dados de informações neurais que se desenvolverá? Uma coisa que faremos é a engenharia reversa do cérebro, ou seja, entender os princípios básicos de como ele funciona. Esse é um esforço que já começamos. Já temos mapas de alta resolução de certas áreas do cérebro. O cérebro não é só um órgão; ele engloba várias centenas de regiões especializadas, cada uma organizada de forma diferente. Mapeamos certas áreas do córtex visual e auditivo, e usamos essa informação para desenhar softwares mais inteligentes. Carver Mead, da Caltech, por exemplo, desenvolveu chips analógicos poderosos e digitalmente controlados, baseados nesses modelos biologicamente inspirados de engenharia reversa, de porções dos sistemas visual e auditivo. Seus chips sensitivos visuais são usados em câmeras digitais de alto padrão.

Temos demonstrado que estamos aptos a entender esses algoritmos, mas eles são diferentes dos algoritmos que tipicamente rodamos em nossos computadores. Eles não são seqüenciais e não são lógicos; eles são caóticos, altamente paralelos e auto-organizáveis. Eles têm uma natureza holográfica, no sentido de que não há um neurônio chief-executive-officer. Você pode eliminar qualquer um dos neurônios, cortar qualquer um dos fios e ainda fará pouca diferença – a informação e os processos são distribuídos através de uma região complexa.

Baseados nesses insights, desenvolvemos hoje uma série de modelos biologicamente inspirados. Este é o campo no qual trabalho, usando técnicas como "algoritmos genéticos" evolucionais e "redes neurais", as quais utilizam modelos biologicamente inspirados. As redes neurais atuais são matematicamente simplificadas, mas conforme obtemos um conhecimento mais poderoso dos princípios de operação das diferentes regiões do cérebro, estaremos em posição de desenvolver modelos biologicamente inspirados muito mais poderosos. Finalmente, poderemos criar e recriar esses processos, retendo suas maciçamente paralelas, caóticas e auto-organizáveis propriedades. Poderemos recriar os tipos de processos que ocorrem nas centenas de diferentes regiões do cérebro e criar entidades – que na verdade não serão de silício, eles estarão usando algo como nanotubos, provavelmente – que possuam a complexidade, a riqueza e a profundidade da inteligência humana.

Nossas máquinas hoje são ainda um milhão de vezes mais simples do que o cérebro humano, o que é uma das principais razões de elas ainda não possuírem as singulares qualidades de uma pessoa. Elas ainda não possuem nossa habilidade de "sacar a piada", de sermos engraçados, de entender pessoas, de responder apropriadamente a emoções, ou de ter experiências espirituais. Esses não são efeitos colaterais da inteligência humana, ou distrações; eles são as características mais sofisticadas da inteligência humana. Será necessária uma tecnologia da complexidade do cérebro humano para criar entidades que possuam tais formas atraentes e convincentes de características.

Voltando à realidade virtual, vamos considerar um cenário envolvendo uma conexão direta entre o cérebro humano e esses implantes baseados em nanobots. Existe um número de tecnologias diferentes que já foram demonstradas para se comunicar em ambas as direções entre o mundo úmido e analógico dos neurônios e o mundo digital dos eletrônicos. Uma dessas tecnologias, chamada de transistor neural, fornece essa comunicação ambígua. Se um neurônio dispara, o transistor neural detecta seu pulso eletrônico, então ocorre comunicação do neurônio para o eletrônico. Ele também pode fazer com que o neurônio dispare ou impedí-lo de disparar.

Para realidade virtual em imersão total, enviaríamos bilhões desses nanobots para assumir posições em cada fibra nervosa vinda de todos os nossos sentidos. Se você quer estar na realidade "real", eles ficam parados e nada fazem. Se quiser estar na realidade virtual, eles suprimem os sinais vindos dos sentidos reais e os substituem com os sinais que você estaria recebendo se estivesse no ambiente virtual.

Nesse cenário, teremos realidade virtual de dentro e poderemos recriar todos os nossos sentidos. Esses ambientes serão compartilhados, de forma que você pode ir até lá com uma ou várias pessoas. Ir a um Web site significará entrar em um ambiente de realidade virtual envolvendo todos os nossos sentidos, e não apenas os cinco sentidos, mas também emoções, prazer sexual, humor. Existem, na verdade, equivalentes neurobiológicos para todas essas sensações e emoções, que discuto em meu livro The Age of Spiritual Machines.

Por exemplo, cirurgiões conduzindo uma cirurgia de cérebro exposto em uma jovem mulher (acordada), descobriram que estimular um ponto determinado no cérebro da garota a fazia rir. Os cirurgiões pensaram que estavam apenas estimulando um reflexo do riso. Mas eles descobriram que estavam estimulando a percepção do humor: quando eles estimulavam esse ponto, ela achava tudo engraçado. "Vocês estão tão engraçados, aí de pé", foi uma observação típica.

Usando esses implantes baseados em nanobots, você poderia aumentar ou modificar suas respostas emocionais para experiências diferentes. Isso poderia fazer parte do revestimento desses ambientes de realidade virtual. Você poderia também ter corpos diferentes para experiências diferentes. Assim como as pessoas hoje projetam suas imagens de suas Web cams, de seus apartamentos, pessoas emitiriam todo o seu fluxo de sensações ou mesmo suas experiências emocionais para a Web, então você poderia, à la Quero Ser John Malkovich, experimentar as vidas de outras pessoas.

Finalmente, esses nanobots vão expandir a inteligência humana, nossas habilidades e instrumentos de várias formas diferentes. Devido ao fato de eles se comunicarem uns com os outros sem fios, eles podem criar novas conexões neurais. Elas poderiam expandir nossa memória, nossas faculdades cognitivas e habilidades de reconhecimento de padrões. Vamos expandir a inteligência humana ao expandir seu paradigma atual de conexões interneurais massivas, assim como através de conexões íntimas com formas não-biológicas de inteligência.

Poderemos também fazer o download de conhecimentos, algo que as máquinas podem fazer hoje e nós não. Por exemplo, passamos vários anos treinando um computador de pesquisa para entender a fala humana usando os modelos biologicamente inspirados – redes neurais, modelos Markov, algoritmos genéticos, padrões auto-organizáveis – que são baseados em nosso bruto entendimento atual de sistemas auto-organizáveis no mundo biológico. Uma grande parte do projeto de engenharia foi coletar dialetos diferentes e então expô-los ao sistema, deixando-o tentar reconhecer a fala. Ele cometeu erros, e então tivemos que deixá-lo se ajustar automaticamente e se auto-organizar para refletir melhor o que havia aprendido.

Após vários meses desse tipo de treinamento, houveram melhorias substanciais na sua habilidade em reconhecer fala. Hoje em dia, se você quer que seu computador pessoal reconheça fala humana, você não precisa gastar anos treinando-o detalhadamente da mesma forma, como temos que fazer com cada criança humana. Você pode simplesmente carregar os modelos evoluídos, chama-se "carregar o software". Dessa forma as máquinas podem compartilhar seu conhecimento. Não temos portas de download rápido em nossos cérebros. Mas conforme construímos equivalentes não-biológicos de nossos neurônios, interconexões e níveis de neurotransmissores, onde nossas habilidades e memórias estão armazenadas, não deixaremos de fora o equivalente de portas de download. Poderemos fazer o download de capacidades tão facilmente quanto Trinity baixa o programa que permite a ela voar um helicóptero B-212.

Quando você falar com alguém no ano de 2040, você estará falando com alguém que poderá ser de origem biológica, mas cujos processos mentais são um híbrido de processos biológicos e eletrônicos de pensamento, trabalhando intimamente juntos. Ao invés de estarmos restritos, como estamos hoje, a meras centenas de trilhões de conexões em nosso cérebro, poderemos expandir para algo substancialmente além desse nível. Nosso pensamento biológico é plano (restrito); a raça humana possui uma estimativa de 10 (elevado a 26) cálculos por segundo, e essa figura biologicamente determinada não vai crescer. Mas a inteligência não-biológica está crescendo exponencialmente. O ponto de cruzamento, de acordo com meus cálculos, será em 2030; algumas pessoas chamam esse período de Singularidade.

Ao chegarmos a 2050, o volume maior de nosso pensamento – que em minha opinião ainda é uma expressão da civilização humana – será não-biológico. Não acredito que o cenário de Matrix, de inteligências artificiais em conflito mortal com humanos, seja inevitável. A essa altura, a porção não-biológica de nosso pensamento ainda será pensamento humano, porque será derivado de pensamento humano. Sua programação será criada por humanos, ou criada por máquinas que foram criadas por humanos, ou por máquinas que são baseadas na engenharia reversa do cérebro humano, ou em downloads de pensamentos humanos, ou uma das várias outras conexões diretas entre o pensamento de humanos e máquinas que não podemos sequer contemplar, hoje.

Uma reação comum a tudo isso é a da visão distópica, porque estou "colocando humanidade com máquinas". Mas isso é porque a maioria das pessoas têm um preconceito contra máquinas. Muitos observadores não entendem verdadeiramente do que as máquinas serão capazes, porque todas as máquinas que eles já "conheceram" são muito limitadas, comparadas a pessoas. Mas isso não será verdade para as máquinas ao redor de 2030 e 2040. Uma vez que máquinas são derivadas da inteligência humana e são milhões de vezes mais capazes, teremos uma consideração diferente por máquinas, e não haverá uma distinção clara entre inteligência humana ou das máquinas. Vamos efetivamente nos fundir com nossa tecnologia.

Nós já estamos num bom pedaço dessa estrada. Se todas as máquinas no mundo parassem hoje, nossa civilização seria esmagada e estacionaria. Isso não seria verdade há poucos trinta anos. Em 2040 a inteligência humana e a das máquinas estará profundamente fundida. Nos tornaremos capazes de experiências muito mais profundas, de muitos e diferentes tipos. Seremos capazes de "recriar o mundo" de acordo com nossa imaginação e adentrar ambientes tão incríveis quanto o visto em Matrix mas, assim esperamos, um mundo mais aberto à expressão criativa e à experiência humana.

Fontes

The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Intelligence, Raymond Kurzweil (Penguin USA, 2000).

© 2003 BenBella Books. Publicado no KurzweilAI.net sob permissão.

14.4.06

Estudo explica o avanço molecular da Evolução

por Kenneth Chang

Correção Anexada

Ao reconstruir genes antigos, de animais extintos há muito tempo, cientistas conseguiram demonstrar, pela primeira vez, a progressão passo-a-passo de como a evolução criou uma nova peça do maquinário molecular, reutilizando e modificando peças existentes.

Os pesquisadores dizem que as descobertas, publicadas hoje no jornal Science, oferecem um contra-argumento aos descrentes da evolução que questionam como pequenas mudanças poderiam produzir os mecanismos intrincados, encontrados em células vivas.

"A evolução da complexidade é uma questão há muito aceita na biologia evolucional", disse Joseph W. Thornton, professor de biologia da Universidade do Oregon e principal autor do documento. "Queríamos entender como esse sistema evoluiu, no nível molecular. Não há qualquer controvérsia científica sobre se esse sistema evoluiu. A questão, para os cientistas, é como ele evoluiu, e é isso que nosso estudo mostrou".

Charles Darwin escreveu em A Origem das Espécies: "Se for demonstrado que qualquer organismo complexo que já existiu não poderia ter sido formado por numerosas, sucessivas e leves modificações, minha teoria seria absolutamente quebrada".

Descobertas como essas anunciaram essa semana que um peixe com nadadeiras semelhantes à membros, preencheria as transições entre espécies. Novas técnicas de biologia molecular permitem aos cientistas começar a reconstruir como os processos dentro de uma célula evoluíram por milhões de anos.

Os experimentos do Dr. Thornton se concentraram em dois receptores de hormônios. Um é componente de sistemas de reação à estress. O outro, embora de formato semelhante, toma parte em processos biológicos diferentes, incluindo funções dos rins, em animais maiores.

Hormônios e receptores hormonais são moléculas de proteína que agem como pares de chaves e fechaduras. Hormônios se encaixam em receptores específicos, e esse encaixe envia um sinal para ligar ou desligar funções celulares. A combinação de hormônios e receptores levou a questão de como os pares de hormônios-e-receptores evoluíram, já que um sem o outro iria parecer inútil.

Os pesquisadores encontraram o equivalente moderno de receptores hormonais em lampréias e peixes-bruxa, duas das espécies sem mandíbula, sobreviventes. O time também encontrou dois equivalentes modernos do receptor em arraias, um tipo de peixe relacionado aos tubarões.

Após observar os genes que os produziam, e comparar as semelhanças e diferenças genéticas entre eles, os cientistas concluíram que todos descendem de um único gene comum, de 450 milhões de anos atrás, antes de os animais emergirem dos oceanos e virem para a terra firme, antes da evolução dos ossos.

O time recriou o receptor ancestral em laboratório e descobriu que ele poderia se fundir ao hormônio regulador do humor, à aldosterona e ao hormônio do estress, o cortisol.

Logo, descobriu-se que o receptor da aldosterona existia antes da aldosterona. A aldosterona é encontrada apenas em animais terrestres, que apareceram dezenas de milhões de anos mais tarde.

"[ O receptor ] possuía uma função diferente e foi explorado para fazer parte do novo sistema complexo, quando o hormônio entrou em cena", disse o Dr. Thornton.

O que aconteceu foi que um pequeno defeito produziu duas cópias do gene receptor no DNA animal, uma ocorrência incomum na evolução. Então, por razões não compreensíveis, duas mutações maiores tornaram um receptor sensível somente ao cortisol, levando à versão moderna do receptor hormonal do estress. O outro receptor tornou-se especializado em regulamentação do humor.

o Dr. Thornton disse que os experimentos mostraram como a evilução poderia ter inovado e inovou funções, ao longo do tempo. "Acho que é provável que este se torne um tema muito comum em como sistemas moleculares complexos evoluíram", disse ele.

Christoph Adami, um professor de ciências biológicas no Instituto de Graduação Keck, em Claremont, Califórnia, disse que a pesquisa mostrou como a evolução "utiliza a vantagem de circunstâncias favoráveis e progride sobre elas".

O Dr. Thornton disse que o experimento refuta a noção de "complexidade irredutível", proposta por Michael J. Behe, um professor de bioquímica da Universidade Leigh.

O Dr. Behe, que é um dos principais defensores do planejamento inteligente, a teoria de que a vida é tão complicada que a melhor explicação é a de que ela foi planejada por um ser inteligente, tem comparado um sistema complexo irredutível a uma ratoeira. Tire qualquer peça e a ratoeira falha em pegar o rato. Sistemas "tudo-ou-nada" como esses não poderiam ter surgido com modificações incrementais, argumentou o Dr. Behe.

O Dr. Thornton disse que o mecanismo chave-e-fechadura de um par de receptores-hormônios é "um exemplo elegante de um sistema que tem sido chamada de irredutivelmente complexo".

"É claro", ele acrescentou, "que nossas descobertas mostram que ele não é irredutivelmente complexo".

O Dr. Behe descreveu os resultados como "sem valor". Ele questionou quanto a se os receptores das mutações intermediárias seriam prejudiciais à sobrevivência dos organismos e disse que um par de receptores-hormônios com dois componentes é algo simples demais para ser considerado irredutivelmente complexo. Ele disse que um sistema como esse iria requerer ao menos três peças e realizar alguma função específica, para se encaixar em sua noção de irredutivelmente complexo.

O que o Dr. Thornton mostrou, disse o Dr. Behe, cai dentro de mudanças incrementais que ele permite que processos evolucionais possam causar.

"Mesmo que isso funcione, e eles não demonstraram que funciona", segundo o Dr. Behe, "Eu não teria problemas com isso. Isso não mostra realmente muito".

Correção: 11 de abril de 2006

Um artigo publicado na sexta-feira, sobre uma descoberta molecular que confirma um aspecto da teoria evolutiva referiu-se incorretamente a um tipo de molécula sob estudo. As moléculas que se encaixam nos receptores do sistema hormonal são esteróides, não proteínas.

Clique aqui para ler o artigo original.

Método que utiliza Nanoporos pode Revolucionar o Sequenciamento Genético

por Sherry Seethales

Um time liderado por físicos da Universidade da Califórnia, em San diego, mostrou a possibilidade de uma técnica rápida e barata para sequenciar o DNA, passando-o por minúsculos poros. O avanço traz a medicina baseada em genomas para uma realidade mais próxima.

O documento, publicado na edição de abril do jornal Nano Letters, descreve um método para sequenciar um genoma humano em questão horas, a um custo potencialmente baixo, medindo os distúrbios elétricos gerados por uma amostra única de DNA, conforme ela passa através de poros mil vezes menos que o diâmetro de um fio de cabelo humano. Como sequenciar o genoma de uma pessoa levaria meses e custaria milhões de dólares, com a tecnologia de sequenciamento de DNA atual, os pesquisadores dizem que o novo método tem o potencial de alavancar uma revolução na medicina.

"Os métodos atuais de sequenciamento de DNA são muito vagarosos e caros para que sequenciar o genoma de uma pessoa, no intuito de criar medicamentos específicos para cada indivíduo, possa ser algo realista", disse Massimiliano Di Ventra, um professor associado aos físicos da UCSD, e que dirigiu o projeto. "A implementação prática da de nossa abordagem poderia tornar real o sonho de personalizar a medicina de acordo com a composição genética única de cada pessoa".

Os físicos utilizaram cálculos matemáticos e o modelamento dos movimentos e flutuações elétricas de moléculas de DNA para determinar como distingüir cada uma das quatro bases diferentes (A, G. C, T), que constituem um filamento de DNA. Eles basearam seus cálculos em um poro de aproximadamente um nanômetro de diâmetro, feito de nitrato de silício - um material que é fácil de trabalhar e que é comumente usado em nano-estruturas - envolto por dois pares de minúsculos eletrodos de ouro. Os eletrodos registrariam a corrente elétrica perpendicular ao filamento de DNA, conforme o DNA passa através do poro. Como cada base de DNA é estruturalmente e quimicamente diferente, cada base cria sua própria assinatura eletrônica distinta.

Tentativas anteriores de sequenciar DNA usando nano-poros não obtiveram sucesso, porque os giros e os movimentos do filamento de DNA introduziam muitos ruídos no sinal que era registrado. A nova idéia utiliza a vantagem do campo elétrico que propulsiona a corrente perpendicular ao filamento para reduzir flutuações estruturais do DNA enquanto ele é movido através do poro, dessa forma minimizando o ruído.

"Se a natureza fosse muito desatenciosa, então o DNA flutuaria tanto, enquanto atravessa o nano-poro, que medir a corrente não nos daria qualquer informação quanto a que base está presente em uma dada localização", explicou Michael Zwolak, um dos alunos graduados em física do Instituto de Tecnologia da Califórnia, que contribuiu com o estudo. "Contudo, identificamos uma forma particular de operar o sistema nano-poros/eletrodo que suprime algumas dessas flutuações, então eles não conseguem destruir tanto a distinção das bases".
Os pesquisadores avisam que ainda exitem obstáculos a serem resolvidos, porque ninguém conseguiu construir, até agora, um nano-poro com a configuração necessária de eletrodos, mas eles acreditam que é apenas uma questão de tempo antes que alguém construa o dispositivo com sucesso. O nano-poro e os eletrodos foram feitos separadamente, e embora seja tecnicamente desafiador juntá-los, o campo está avançando tão depressa que eles acreditam que isso será possível num futuro próximo.

Em adição à velocidade e o baixo custo do método de nano-poros, os pesquisadores calculam que ele acabará por se mostrar significativamente menos suscetível a erros do que os métodos atuais.

"O método de sequenciamento de DNA que propomos tem o potencial de possuir menos erros que o método atual, que é baseado no método Sanger", disse Johan Lagerqvist, um dos alunos da UCSD e o principal autor do documento. "Poderia ser possível sequenciar filamentos de DNA que têm dezenas de milhares de pares de bases, de comprimento, possivelmente tão grandes quanto um gene inteiro, numa passagem apenas, através do nano-poro. Com o método Sanger é necessário cortar o DNA em peças menores, copiar o DNA e usar várias máquinas de sequenciamento, o que introduz fontes adicionais de erros".

O estudo foi financiado pela Fundação Nacional de Ciência e pelo Instituto de Pesquisa do Genoma Humano, no Instituto Nacional de Saúde. Os fundos da NIH vêm de um programa lançado em 2004 para encorajar pesquisadores a perseguirem uma vasta gama de idéia para sequenciar um genoma que tenha o tamanho de um gene de um mamífero por U$1,000. Os pesquisadores dizem que, como físicos, eles possuem uma abordagem única para o problema.
"Não pensamos nisso como DNA, vemos isso como um monte de átomos e elétrons que se comportam de maneiras que possamos prever e manipular", disse Di Ventra.

Clique aqui para ver o artigo original.


10.4.06

Reinventando a Humanidade

O Futuro da Inteligência Homem-Máquina
por Ray Kurzweil

Ray Kurzweil prevê uma evolução radical da espécie humana nos próximos 40 anos. A fusão do homem e a máquina, aliada à repentina explosão na inteligência das máquinas e à velocidade de inovação na pesquisa genética e na nanotecnologia, resultarão em um mundo onde não há distinção entre o biológico e o mecânico, ou entre a realidade física e a virtual.

Originalmente publicado em The Futurist¸ março-abril de 2006. Republicado no KurzweilAI.net em 3 de fevereiro de 2006.

Estamos diante do limiar do evento mais profundo e transformador na história da humanidade, a “Singularidade”.

O que é a Singularidade? Da minha perspectiva, a Singularidade é um período futuro durante o qual o passo de mudança tecnológica será tão acelerado e de alcance tão longínquo, que a existência humana sobre esse planeta será irreversivelmente alterada. Combinaremos nossa capacidade cerebral – os conhecimentos, habilidades e sofismas de personalidade que nos tornam humanos – com nosso poder computacional (de nossos computadores
[1]), para pensar, raciocinar, comunicar e criar, de formas que dificilmente conseguimos sequer contemplar, hoje.

A fusão do homem e a máquina, aliada à repentina explosão na inteligência das máquinas e à velocidade de inovação na pesquisa genética e na nanotecnologia, resultarão em um mundo onde não há distinção entre o biológico e o mecânico, ou entre a realidade física e a virtual. Essas revoluções tecnológicas nos permitirão transcender nossos frágeis corpos em todas as suas limitações. As doenças, da maneira que as conhecemos, serão erradicadas. Através do uso da nanotecnologia, seremos capazes de produzir quase qualquer produto físico sob demanda, a fome e a miséria mundiais serão solucionadas e a poluição desaparecerá. A existência humana experimentará um salto quântico em sua evolução. Seremos capazes de viver o quanto escolhermos. A transformação do cenário mundial para tal mundo é
[2], em essência, a Singularidade.

Como é possível que estejamos tão perto dessa mudança enorme e não possamos vê-la? A resposta é a natureza acelerada
[3] da renovação tecnológica. Ao pensar sobre o futuro, poucos levam em consideração o fato de que o progresso científico humano é exponencial: ele se expande multiplicando-se repetidamente por uma constante (10 vezes 10 vezes 10, e assim por diante), e não de maneira linear, ou seja, adicionando-se repetidamente uma constante (10 mais 10 mais 10...). Enfatizo a perspectiva exponencial-versus-linear porque é a falha mais importante (ou comum) que aqueles que fazem prognósticos cometem, ao considerar tendências futuras [4].

Nossos ancestrais supunham que o que estava à frente (no futuro) deles se parecesse com o que eles já haviam experimentado, com poucas exceções. Devido ao fato de que eles viveram em um período em que a taxa de renovação tecnológica era extremamente vagarosa, ao ponto de ser imperceptível, suas expectativas de um futuro imutável eram continuamente preenchidas. Atualmente, temos testemunhado a aceleração da curva. Por conseqüência, nós antecipamos o contínuo progresso tecnológico e as repercussões sociais que o seguem. Vemos o futuro como sendo diferente do presente. Mas o futuro será ainda mais surpreendente do que muitas pessoas se dão conta, porque poucos observadores realmente conseguem assimilar as implicações do fato de que taxa de mudança, em si, está acelerando
[5].

O crescimento exponencial começa vagarosamente e de maneira virtualmente imperceptível, mas para além da dobra da curva ele se torna explosivo e profundamente transformador. Meus modelos demonstram que estamos dobrando a taxa de salto-paradigmático de renovação tecnológica a cada década. Em outras palavras, o século XX foi aumentando gradualmente a velocidade até a taxa atual de progresso; suas realizações, portanto, foram equivalentes a aproximadamente 20 anos de progresso, na taxa do ano 2000. Alcançaremos outros “20 anos” de progresso em apenas 14 anos (por 2014), e então faremos o mesmo novamente em apenas sete anos. Para expressar de uma outra forma, nós não vamos experimentar 100 anos de avanço tecnológico no século XXI; testemunharemos algo na ordem de 20.000 anos de progresso (novamente medindo com a taxa atual de progresso), ou o progresso em um nível aproximadamente 1.000 vezes maior do que o alcançado no século XX.

Como saberemos que a Singularidade está chegando?

A primeira metade do século XXI será caracterizada por três revoluções sobrepostas
[6] – na genética, nanotecnologia e robótica. Essas tecnologias vão conduzir o início desse período de extraordinárias mudanças ao qual me refiro como Singularidade. Estamos nos estágios iniciais da revolução genética, atualmente. Ao compreendermos os processos de informações que fundamentam a vida, estamos aprendendo a re-programar a biologia para conquistar a extinção de doenças, a dramática expansão do potencial humano e a extensão radical da vida. Contudo, Hans Moravec, do Carnegie Mellon University’s Robotics Institute, aponta para o fato de que não importa quão primorosamente possamos ajustar nossa biologia baseada em DNA, a biologia jamais será capaz de se equiparar ao que seremos capazes de projetar, uma vez que compreendamos totalmente os princípios de operação da vida. Em outras palavras, seremos sempre “robôs de segunda classe”.

A revolução da nanotecnologia nos permitirá redesenhar e reconstruir – molécula por molécula – nossos corpos, cérebro e o mundo com o qual interagimos, indo muito além das limitações da biologia.

Porém, a revolução iminente mais poderosa será a revolução robótica. Por robótica, não me refiro exclusivamente – ou mesmo primariamente – a andróides de aparência humanóide, que ocupam espaço físico, mas sim à inteligência artificial em todas as suas variações.

Em seguida, projetei os componentes principais, fundamentando cada uma dessas futuras revoluções tecnológicas. Enquanto cada nova onda de progresso solucionará os problemas das transformações anteriores, cada uma delas também apresentará novos perigos, mas cada uma, operando tanto separadamente como em conjunto, sustenta a Singularidade.

A Revolução Genética

As ciências molecular e genética estenderão a biologia e corrigirão falhas óbvias (como nossa vulnerabilidade à doenças). Por volta do ano 2020, os efeitos totais da revolução genética serão sentidos através da sociedade. Nós estamos adquirindo rapidamente o conhecimento e as ferramentas necessários para estender drasticamente a usabilidade da “casa” a que cada um de nós denomina seu corpo e cérebro.

O pesquisador de nano-medicina Robert Freitas estima que ao eliminarmos 50% das condições evitáveis, do ponto de vista médico, estenderíamos a expectativa da vida humana em 150 anos. Se pudermos prevenir 90% dos problemas de saúde ocorridos naturalmente, viveremos para ter 1.000 anos de idade.

Podemos ver os primórdios dessa aterradora revolução da medicina atualmente. O campo da biotecnologia genética é abastecido pelo crescente arsenal de ferramentas. A descoberta de medicamentos era, antigamente, uma questão de encontrar substratos (substâncias químicas) que produzissem algum resultado benéfico sem efeitos colaterais excessivos, um método de pesquisa semelhante ao dos seres humanos primitivos, procurando por rochas ou outros implementos naturais que pudessem ser usados para propósitos úteis. Hoje, estamos descobrindo os caminhos bioquímicos precisos que constituem a base tanto dos processos de doenças como os de envelhecimento. Podemos desenhar medicamentos que executem missões minuciosas ao nível molecular. Com tecnologias genéticas recentemente desenvolvidas, estamos prestes a poder controlar como os genes se expressam. Expressão genética é o processo pelo qual componentes da célula (mais especificamente o RNA e os ribossomos), produzem proteínas de acordo com uma planta genética específica. Uma vez que toda célula humana contém uma amostra completa de DNA, e portanto o acabamento completo de todos os genes do corpo humano, uma célula específica, como a epitelial ou a célula pancreática
[7], obtém suas características apenas da fração de informação genética relevante para aquele tipo particular de célula.

A expressão genética é controlada pelos peptídeos (moléculas constituídas de seqüências de mais de 100 aminoácidos) e por pequenas partículas de RNA. Estamos começando a entender agora como esses processos funcionam. Muitas terapias novas, atualmente em desenvolvimento e testes, são baseadas na manipulação de peptídeos, seja para desativar a expressão de genes nocivos (que causam doenças), ou para ativar genes desejáveis que, de outra forma, não seriam expressos em um tipo de célula particular. Uma nova técnica, chamada de interferência de RNA, é capaz de destruir o RNA expressando um gene e, desse modo, desativá-lo efetivamente.

O progresso acelerado em biotecnologia nos possibilitará reprogramar nossos genes e processos metabólicos, impulsionando os campos da genômica
[8] (a influência/ativação dos genes), proteômica [9] (compreensão e influência das funções das proteínas), da terapia genética (supressão da expressão dos genes, assim como a adição de novas informações genéticas), o desenho racional de medicamentos (formulando drogas que visem mudanças precisas nos processos de adoecimento e envelhecimento), assim como a clonagem terapêutica de células, tecidos e órgãos rejuvenescidos.

A Revolução Nanotecnológica

A nanotecnologia promete as ferramentas para reconstruir o mundo físico – nossos corpos e cérebros aí incluídos – fragmento molecular por fragmento molecular e potencialmente átomo por átomo. Estamos encolhendo as características-chave (peças funcionais), de acordo com a Lei de Retorno de Aceleração, a uma taxa exponencial (mais de quatro por dimensão linear por década ou aproximadamente 100 por um volume 3-D). A essa taxa, o tamanho das características-chave para a maioria das tecnologias eletrônicas e muitas das tecnologias mecânicas estarão ao alcance da nanotecnologia – geralmente considerada como menos de 100 nanômetros (um bilionésimo de metro) – por 2020. A eletrônica já engendrou abaixo desse percentual, apesar de ainda não tê-lo feito com estruturas tridimensionais ou com estruturas capazes de montar outras estruturas semelhantes – um passo essencial antes que a nanotecnologia possa alcançar seu promissor potencial. Por enquanto, um progresso veloz tem sido realizado na preparação de um sistema conceitual e no projeto de idéias para a futura era da nanotecnologia.

A nanotecnologia se expandiu para incluir qualquer tecnologia na qual as características-chave de uma máquina são medidas por menos de 100 nanômetros. Assim como a eletrônica contemporânea já deslizou silenciosamente para esse nano-reino
[10], a área das aplicações médicas e biológicas já adentraram a era das nano-partículas, na qual objetos em nano-escala estão sendo desenvolvidos para criar testes e tratamentos mais eficientes.

Na área de testes e diagnósticos, nano-partículas já estão sendo empregadas em testes experimentais biológicos como tags e labels
[11] para aumentar a sensibilidade na detecção de substâncias, como proteínas. Nanotags magnéticos podem ser utilizados para se ligarem a anti-corpos, que podem então ser lidos usando sondas magnéticas enquanto ainda estão dentro do corpo. Experimentos bem-sucedidos têm sido conduzidos com nano-partículas de ouro, ligadas à segmentos de DNA, capazes de rapidamente testar seqüências específicas de DNA em uma amostra. Pequenos glóbulos em nano-escala, chamados de pontos quantum, podem ser programados com códigos específicos, combinando múltiplas cores, semelhantes à um código de barras de cores, que podem facilitar o rastreamento de substâncias através do corpo.

No futuro, dispositivos em nano-escala executarão centenas de testes simultaneamente em minúsculas amostras de uma dada substância. Esses dispositivos permitirão que testes extensivos sejam conduzidos em amostras de sangue praticamente invisíveis.

Na área de tratamento médico, uma aplicação particularmente empolgante para essa tecnologia é o emprego de nano-partículas para entregar medicamentos à localizações específicas dentro do corpo. Nano-partículas podem guiar medicamentos para dentro de paredes celulares e através da barreira cerebral-sangüínea. Pacotes em nano-escala podem ser projetados para reter medicamentos, protegendo-os através da região gastro-intestinal, atravessando-os para localizações específicas, e então liberá-los de formas sofisticadas que possam ser influenciadas e controladas, sem fios, do lado de fora do corpo.

A Nanotherapeutics, em Alachua, Florida, desenvolveu um polímero biodegradável com alguns nanômetros de espessura que utiliza essa abordagem. Enquanto isso, cientistas da McGill University em Montreal demonstraram uma nano-pílula com uma estrutura dentro de uma escala entre 25 a 45 nanômetros. A nano-pílula é pequena o suficiente para passar através da parede celular e entregar medicamentos diretamente à estruturas específicas dentro da célula.

A MicroCHIPS, de Bedford, Massachussetts, desenvolveu um dispositivo computadorizado que é implantando debaixo da pele e administra combinações minuciosas de medicamentos a partir de centenas de fontes em nano-escala dentro do dispositivo. Espera-se que versões futuras do dispositivo sejam capazes de medir o nível de substâncias como a glicose, no sangue. O sistema poderia ser usado como um pâncreas artificial, liberando quantidades precisas de insulina, de acordo com a resposta de glicose no sangue. O sistema seria capaz também de simular qualquer outro órgão produtor de hormônios, e se as experiências ocorrerem sem problemas, o sistema poderá estar no mercado por 2008. Outra proposta inovadora é guiar nano-partículas (provavelmente compostas de ouro), à uma região de um tumor e então aquecê-lo com raios infra-vermelhos para destruir células cancerosas.

A revolução na nanotecnologia nos permitirá fazer muito mais do que simplesmente tratar de doenças. Finalmente, a nanotecnologia nos possibilitará redesenhar e reconstruir não apenas nossos corpos e cérebros, mas também o mundo com o qual interagimos. A realização total da nanotecnologia, contudo, ficará atrás da revolução biotecnológica em aproximadamente uma década. Porém, entre a metade e o fim do ano 2020, os efeitos da revolução nanotecnológica serão amplamente propagados e óbvios.

Nanotecnologia e o Cérebro Humano

A aplicação mais importante e radical dos nano-robôs, ao redor de 2030, será a de expandir nossas mentes através da fusão da inteligência biológica com a não-biológica, ou a das “máquinas”. Nos próximos 25 anos, aprenderemos a ampliar nossas 100 trilhões de conexões interneurais extremamente vagarosas, com conexões virtuais de alta velocidade via nano-robótica. Isso nos permitirá impulsionar, de forma gigantesca, nossas habilidades de reconhecimento de padrões, nossa memória e capacidade geral de pensamento, assim como interagir diretamente com poderosas formas de inteligência computacional. Essa tecnologia irá também nos proporcionar a comunicação sem fios de um cérebro para o outro.

Em outras palavras, a era da comunicação telepática está quase chegando.

Nossos cérebros atuais são relativamente invariáveis em seu desenho. Apesar de adicionarmos padrões de conexões interneurais e concentrações de neuro-transmissores como parte normal do processo de aprendizado, a capacidade geral atual do cérebro humano é altamente constrita. Quando as capacidades da inteligência artificial criada pelo ser humano (AI) começarem a ultrapassar a inteligência humana, no final de 2030, seremos capazes de progredir para além da arquitetura básica das regiões neurais do cérebro.

Implantes cerebrais, baseados em nano-robôs inteligentes distribuídos massivamente expandirão enormemente nossas memórias e irão invariavelmente aperfeiçoar todas as nossas habilidades sensoriais, cognitivas e de reconhecimento de padrões. Uma vez que os nano-robôs vão se comunicar uns com os outros, eles serão capazes de criar qualquer conjunto de novas conexões neurais, quebrar conexões existentes (suprimindo disparos neurais
[12]), criar novas redes híbridas biológicas e computacionais, adicionar redes mecânicas completas, assim como interagir intimamente com novos programas de computador e inteligências artificiais.

A implementação da inteligência artificial em nossos sistemas biológicos marcará um salto evolucionário para a humanidade, mas também implicará que nos tornaremos de fato mais “máquinas” do que “humanos”. Bilhões de nano-robôs viajarão através de nossa corrente sangüínea em nossos cérebros e corpos. Em nossos corpos, eles destruirão patógenos, corrigirão erros de DNA, eliminarão toxinas e realizarão outras tarefas para elevar nosso bem-estar físico. Como resultado, seremos capazes de viver indefinidamente sem envelhecer.

Em nossos cérebros, nano-robôs vão interagir com nossos neurônios biológicos. Isso irá proporcionar uma imersão total em realidade virtual, incorporando todos os sentidos, assim como os equivalentes neurológicos de nossas emoções, de dentro do sistema nervoso. Ainda mais importante, essa conexão íntima entre nossa forma biológica de pensamento e a inteligência das máquinas que estamos criando expandirá profundamente a inteligência humana.

A área militar caminhará na direção de armas nano-baseadas, assim como cyber-armas. O aprendizado irá mover-se primeiro online, mas uma vez que nossos cérebros estiverem totalmente online seremos capazes de “fazer o download” de novos conhecimentos e habilidades. O papel do trabalho será o de criar conhecimentos de todos os tipos, de música e arte à matemática e ciência. O papel da recreação (lazer) será também o de criar conhecimento. No futuro, não haverá uma distinção clara entre recreação e trabalho.


A Revolução Robótica

Das três revoluções tecnológicas que fundamentam a Singularidade (genética, nano-mecânica e robótica), a mais profunda é a robótica ou, como é comumente chamada, a inteligência artificial consistente. Uma referência à criação de capacidade de pensamento computacional que exceda a capacidade de pensamento dos seres humanos. Estamos muito próximos do dia em que seres humanos totalmente biológicos (como nós conhecemos hoje) deixarão de ser a inteligência dominante sobre o planeta. Pelo fim deste século, a inteligência computacional ou mecânica será trilhões de vezes mais poderosa que a inteligência do cérebro humano sozinho. Argumento que computadores, ou como costumo chamar, a inteligência não-biológica, ainda deve ser considerada humana, já que é totalmente derivada da civilização homem-máquina e será baseada, ao menos em parte, numa versão feita por seres humanos de um cérebro humano totalmente funcional. A fusão desses dois mundos de inteligência não é uma fusão meramente de meios de pensamento mecânicos e biológicos, mas também e mais importante, uma fusão de método e pensamento organizacional que expandirá nossas mentes em virtualmente todos os meios imagináveis.

O pensamento humano biológico é limitado a 10 elevado à 16ª potência, em cálculos por segundo (cps
[13]) por cérebro humano (baseado no modelamento neuromórfico de regiões de cérebro), e aproximadamente 10 elevado à 26ª potência em cps para todos os cérebros humanos. Esses números não mudarão de maneira substancial, mesmo com ajustes bio-projetados no nosso genoma. A capacidade de processamento da inteligência não-biológica ou da AI consistente, em contrapartida, está crescendo a uma taxa exponencial (com a própria taxa aumentando), e excederá amplamente a inteligência biológica por volta da metade de 2040.

A inteligência artificial excederá necessariamente a inteligência humana por diversas razões.

Primeiro, máquinas podem compartilhar conhecimento e se comunicar umas com as outras muito mais eficientemente do que os seres humanos. Enquanto humanos, não possuímos os meios para trocar os vastos padrões de conexões interneurais e concentrações de neuro-transmissores que incluem nosso aprendizado, conhecimento e habilidades, a não ser através da vagarosa comunicação baseada em linguagem.

Segundo, as capacidades intelectuais da humanidade foram desenvolvidas em meios que têm sido evolucionalmente encorajados em ambientes naturais. Tais capacidades, primariamente baseadas em nossa habilidade em reconhecer e extrair significado de padrões, nos permitem ser altamente proficientes em determinadas tarefas, como distinguir rostos, identificar objetos e reconhecer os sons de uma linguagem. Infelizmente, nossos cérebros são menos adaptados para lidar com padrões mais complexos, como os que existem em dados financeiros, científicos ou de produtos. A aplicação de técnicas baseadas em computador permitirá dominar completamente paradigmas de reconhecimento de padrões. Enfim, conforme o conhecimento humano migra para a Web, as máquinas demonstrarão uma crescente proficiência em ler, compreender e sintetizar toda informação homem-máquina.

O Ovo ou a Galinha


Uma questão fundamental com relação a Singularidade é quem virá primeiro: a “galinha” (AI consistente) ou o “ovo” (a nanotecnologia). Em outras palavras, A AI consistente levará à nanotecnologia total (compiladores fabricados molecularmente que possam transformar informação em produtos físicos), ou a nanotecnologia total levará à AI consistente?

A lógica da primeira premissa é que a AI consistente estaria em condições de solucionar qualquer problema de projeto necessário à implementação da nanotecnologia total. A segunda premissa é baseada na hipótese de que as necessidades de hardware para a AI consistente serão satisfeitas pela computação baseada em nanotecnologia. Da mesma forma, as necessidades de software para construção da AI consistente seriam facilitadas por nano-robôs. Essas máquinas microscópicas permitirão criar varreduras altamente detalhadas de cérebros humanos, com diagramas de como o cérebro humano é capaz de fazer todas as coisas maravilhosas que têm nos mistificado há tanto tempo, como criar significados, contextualizar informações e experimentar emoções. Uma vez que compreendamos totalmente como o cérebro funciona, estaremos aptos a recriar o fenômeno do pensamento humano em máquinas. Vamos dotar computadores, que já são superiores a nós na realização de tarefas mecânicas, de inteligência natural.

O progresso em ambas as áreas (nano e robótica) irá necessariamente utilizar nossas ferramentas mais avançadas, então o avanço em um campo facilitará, simultaneamente, o outro. Contudo, eu suponho que as descobertas mais importantes em nanotecnologia emergirão antes da AI consistente, mas apenas em alguns anos (por volta de 2025 para a nanotecnologia e 2029 para a AI consistente).

Por mais revolucionária que a nanotecnologia será, a AI consistente terá conseqüências muito mais profundas. A nanotecnologia é poderosa, mas não necessariamente inteligente. Podemos imaginar formas de ao menos tentar gerenciar o enorme poder da nanotecnologia, mas a superinteligência, por sua natureza, não pode ser controlada.

A revolução nano/robótica também nos forçará a reconsiderar a própria definição para o que é humano. Não vamos apenas estar cercados de máquinas que demonstram características distintamente humanas, como também seremos menos humanos, de um ponto-de-vista literal.

Apesar do maravilhoso potencial futuro da medicina, a verdadeira longevidade humana só será obtida quando abandonarmos nossos corpos biológicos inteiramente. Ao nos movermos em direção a uma existência baseada em software, obteremos os meios para “fazer um backup de nós mesmos
[14]” (armazenando os padrões fundamentais de nossos conhecimentos, habilidades e personalidade em um ambiente digital), e com isso tornando possível uma imortalidade virtual. Graças à nanotecnologia, teremos corpos que não só poderão ser modificados como também trocados, conforme desejarmos. Seremos capazes de alterar nossos corpos rapidamente, em ambientes de realidade virtual totalmente imersivos, incorporando todos os sentidos, durante a década de 2020 e, na realidade verdadeira na de 2040.

Conseqüências da Singularidade

Em que se tornará a natureza da experiência humana, uma vez que as máquinas predominem? Quais são as implicações para a civilização humana-máquina, quando AI consistente e nanotecnologia podem criar qualquer produto, qualquer situação, qualquer ambiente que sejamos capazes de imaginar? Denoto o papel da imaginação aqui porque ainda estaremos delimitados, naquilo que criarmos, àquilo que podemos imaginar. Contudo, nossas ferramentas para trazer a imaginação à vida estão se tornando mais poderosas exponencialmente.

As pessoas muitas vezes percorrem três passos, ao considerar o impacto de uma tecnologia futura: a euforia e o deslumbre com seus potenciais para solucionar problemas de eras de idade, e então uma sensação de tristeza com os novos sérios perigos que acompanham essas novas tecnologias, seguido finalmente pela consciência (percepção) de que o único caminho viável e responsável é o de preparar uma trajetória cuidadosa que possa considerar os benefícios, enquanto se administram os perigos.

Minha expectativa particular é que aplicações construtivas e criativas para essas tecnologias irão dominar, como acredito que elas o façam, atualmente. Entretanto, precisamos aumentar muito nossos investimentos para desenvolver tecnologias de defesa específicas. Estamos em um estágio crítico em que precisamos implementar diretamente as tecnologias de defesa para a nanotecnologia, durante os próximos dez anos deste século.

Acredito que uma cessão limitada ao desenvolvimento de certas capacidades precisa ser parte de nossa resposta ética aos perigos dos desafios tecnológicos do século XXI. Por exemplo, eu e Bill Joy escrevemos um artigo conjunto recentemente, ao New York Times, criticando a publicação do genoma da gripe 1918 na web, pois isso constitui um perigoso mapa
[15]. Outro exemplo construtivo disso são as diretrizes éticas propostas pelo Foresight Institute: a saber, que os nanotecnologistas (ou nanotecnólogos) concordem em limitar o desenvolvimento de entidades físicas que possam se auto-replicar em um ambiente natural, livre de controle humano ou de um mecanismo de cancelamento. Porém, favorecer muitas limitações e restrições iria minar o progresso econômico, o que é eticamente injustificável, dada a oportunidade de diminuir as doenças, erradicar a pobreza e sanitarizar [16] o meio ambiente.

Não temos que olhar para os tempos anteriores aos nossos para ver a intrincada promessa e o perigo do avanço tecnológico. Imagine descrever os perigos que existem hoje (as bombas atômicas e de hidrogênio, para começar) para as pessoas que viveram há algumas centenas de anos atrás. Eles achariam loucura assumir tais riscos. Mas quantas pessoas em 2006 realmente gostariam de retornar às vidas curtas, brutais, cheias de doenças, marcadas pela miséria, inclinadas à desastres, através das quais 99% da raça humana lutou, há dois séculos?

Podemos romantizar o passado, mas até muito recentemente a humanidade vivia vidas frágeis, nas quais um infortúnio completamente comum poderia significar um desastre. Duzentos anos atrás, a expectativa de vida para mulheres, no país recordista (a Suécia), era de meros 35 anos, bastante curta, se comparada à maior longevidade atual – de quase 85 anos para as mulheres japonesas. A expectativa para homens mal chegava aos 33 anos, comparados aos atuais 79. Metade de um dia era necessário para preparar uma refeição noturna, e o trabalho pesado caracterizava grande parte da atividade humana. Não haviam redes de segurança social. Porções substanciais de nossa espécie ainda vivem dessa forma precária, o que é pelo menos uma razão para continuar o progresso tecnológico e a melhoria econômica que o acompanha. Somente a tecnologia, com sua habilidade para proporcionar avanços em ordem de magnitude em capacidade e acessibilidade, possui a grandeza para confrontar problemas como a miséria, a doença, a poluição e as outras preocupações primordiais da sociedade atual. Os benefícios de nos aplicarmos a esses desafios não podem ser exagerados.

Com a Singularidade se aproximando, teremos que reconsiderar nossas idéias sobre a natureza da vida humana e redesenhar nossas instituições humanas. A inteligência sobre e ao redor da Terra continuará se expandindo exponencialmente até alcançarmos os limites da capacidade da matéria e da energia em suportar computação inteligente. Ao nos aproximarmos deste limite no nosso canto da galáxia, a inteligência de nossa civilização se expandirá para além, para o resto do universo, alcançando rapidamente a mais alta velocidade possível. Entendemos essa velocidade como sendo a da luz, mas existem sugestões de que possamos ser capazes de driblar esse limite aparente (imaginavelmente pegando atalhos através de “wormholes
[17]”, ou seja, atalhos hipotéticos através do espaço e do tempo).

Uma visão comum é de que a ciência tem corrigido consistentemente nossa exageradamente inflada visão da nossa importância. Stephen Jay Gould disse: “Todas as revoluções científicas mais importantes incluem, como seu único fator comum, o destronamento da arrogância humana, um pedestal depois do outro, quanto às nossas prévias convicções a respeito de nossa centralidade no cosmos”.

Ao invés disso, a verdade é que somos mesmo centrais. Nossa habilidade em criar modelos de realidades virtuais – em nossos cérebros, combinada com nossos modestos polegares, foi suficiente para impulsionar outra forma de evolução: a tecnologia. Esse desenvolvimento tornou possível a persistência do passo acelerado que começou com a evolução biológica. Ele continuará até que o universo inteiro esteja nas pontas de nossos dedos.

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Este artigo foi traduzido (interpretado) com o único intuito de disseminar as idéias de Raymond Kurzweil no tocante à Teoria da Singularidade. Contribuições e sugestões não só serão bem-vindas como também constituem o propósito deste documento, uma vez que o esforço de interpretação, de minha parte, poderá eventualmente se mostrar insuficiente.. Qualquer adição a ele deverá ser enviada para giuliano.valverde@gmail.com.
[1] Complementação visando o significado integral da tradução de [ ... ] with our computer power in order to think, reason, communicate, and create in ways we scarcely even contemplate today.

[2] Gostaria muito que algum leitor contribuísse, aqui. Preciso de uma tradução melhor para The coming into being of such world is, in essence, the Singularity.

[3] Aguardo contribuição para a tradução da palavra quickening de uma maneira que se encaixe melhor nesse contexto.

[4] Aguardo contribuição: [ … ] because it’s the most important failure that prognosticators make in considering future trends.

[5] A melhor forma que pude encontrar para [ ... ] But the future will be far more surprising than most people realize, because few observers have truly internalized the implications of the fact that the rate of change is itself accelerating.

[6] Overlapping.

[7] Pancreatic islet. Aguardo complementação.

[8] Genomics.

[9] Proteomics.

[10] Nano realm.

[11] Tags and labels. Decidi manter as palavras originais, já que muitos conseguirão compreender seu significado melhor, dessa forma.

[12] [ … ] by suppressing neural firing. Suponho que esteja relacionado às sinapses cerebrais.

[13] Calculations per Second.

[14] [ … ] “backing ourselves up”.

[15] A palavra original é blueprint. Sei que se refere à uma planta-baixa ou a um mapa arquitetônico, por exemplo, mas não consegui encontrar uma palavra que melhor se encaixasse ao significado, portanto aguardo sugestões.

[16] [ … ] clean up the environment. Optei por utilizar o verbo “sanitarizar” para expressar uma limpeza mais aprofundada, e pelo termo “meio ambiente”, ao invés de “ambiente”, apenas, para denotar um sentido maior ao leitor desta língua, já que se aproxima mais da idéia real da palavra, ou seja, do ambiente natural (incluindo toda a biosfera), que de fato requer uma “sanitarização”.

[17] Para maiores informações, consulte a Teoria Geral da Relatividade.
© Ray Kurzweil 2006.

Manufatura Molecular: Comece a Planejar

por Chris Phoenix

A manufatura molecular nanotecnológica está chegando. O valor econômico – e a importância militar – de uma nano-fábrica serão imensos. Mas se um bom plano não estiver preparado, sérios riscos provavelmente levarão à destruição militar, à rupturas econômicas e sociais ou ao desnecessário sofrimento humano em larga escala. Aqui está o que precisa ser feito.

Originalmente publicado em
The Federation of American Scientists Public Interest Report, Volume 56, Number 2, Summer 2003. Publicado no KurzweilAI.net em 8 de outubro de 2003.

Apesar das alegações contrárias, a manufatura molecular nanotecnológica estará chegando logo. Devido ao fato de que será muito útil, haverá uma pressão para que ela seja desenvolvida o mais rápido possível, e a partir de um certo ponto ela poderá acontecer muito rapidamente. Sistemas de manufatura em macro-escala com nanotecnologia integrada irão melhorar a funcionalidade dos produtos, o tempo de projeto e manufatura, além da velocidade e os custos de produção em considerável magnitude. Esse avanço poderá afetar profundamente a geopolítica e a economia, criando gigantescos riscos e benefícios. Será difícil preparar-se adequadamente para uma tecnologia tão poderosa. Por todas essas razões, a nanotecnologia molecular deveria ser um tópico atual nos planejamentos e políticas de alto-escalão (ou nível).

A palavra "nanotecnologia" possui muitos significados. Atualmente, a pesquisa nanotecnológica está principalmente preocupada em construir pequenas estruturas que possuam novas e desconhecidas propriedades. Tais pesquisas se adicionam constantemente à caixa-de-ferramentas tecnológica, levando à produtos melhorados e ocasionalmente à novas indústrias. De modo geral, tais nanotecnologias "estruturais" criam riscos comparáveis a outras áreas de estudo científico. O segundo tipo de nanotecnologia é o tipo ficção-científica, no qual nano-robôs poderiam ir para qualquer lugar e fazer qualquer coisa, mas geralmente esse tipo não está dentro da realidade.

O terceiro tipo de nanotecnologia, a nanotecnologia "molecular" (MNT, Molecular Nanotech), é o objeto deste artigo. A MNT irá combinar a química e a fabricação para produzir máquinas precisas e sistemas de manufatura em escala nanométrica. Muito do trabalho científico básico já foi feito; o que ainda falta é a engenharia para criar um dispositivo funcional e então integrar vários dispositivos em uma "nano-fábrica" em
escala humana.

Embora grande parte dos projetos atuais de nanotecnologia se concentrem em nanotecnologia estrutural, o desenvolvimento de nanotecnologia molecular certamente se tornará uma prioridade dentro de alguns anos. A capacidade total da MNT não poderá ser desenvolvida em uma década ou mais, mas as preparações para ela provavelmente deveriam começar agora.

O valor econômico – e a importância militar – de uma nano-fábrica serão imensos. Mesmo um modelo primitivo seria capaz de converter arquivos CAD em produtos em poucas horas. Nano-fábricas duplicantes deverão custar o mesmo que qualquer outro produto nano-construído. O custo capital de manufatura será insignificante se comparado aos padrões atuais e a capacidade poderá ser dobrada em questão de horas.

Nanocomputadores substituirão rapidamente a tecnologia dos semicondutores; quem quer que controle essa tecnologia será capaz de produzir mais computadores do que o resto do mundo reunido. A habilidade de inserir um supercomputador (ou um equipamento robótico sofisticado) em qualquer equipamento, sem nenhum custo extra de produção, permitirá o surgimento de novos tipos de produtos e armamentos. Um robô cirúrgico nano-construído equipado com um conjunto completo de sensores poderia ser menor do que uma agulha hipodérmica. O desenvolvimento e o estendimento de novos sistemas armamentícios poderia ser mais rápido e mais barato. Mesmo os produtos iniciais de uma nano-fábrica MNT valeriam centenas de bilhões de dólares, e o potencial de um avanço extremamente veloz na capacidade de nano-fabricação poderia significar que nenhuma unidade econômica ou política poderia permitir a um competidor o controle da tecnologia.

Há uma série de evidências que indicam que a nano-manufatura molecular é possível. Uma década atrás, uma empresa chamada Nanosystems estudou a química e a engenharia necessárias para o processo em profundidade; nem mesmo um único erro significante foi encontrado até agora. As células (biológicas), máquinas naturais auto-replicantes, geram uma variedade de minerais, incluindo a magnetita (um tipo de óxido de ferro) e o dióxido de silício – e elas fazem isso submersas na água, usando técnicas químicas de bilhões de anos de idade. Uma química correspondente (ou covalente) já foi realizada com um escaneamento feito por uma sonda-microscópio (1).

Os melhores argumentos da crítica inteligente com relação à possibilidade da nano-manufatura foram detalhadamente contestados. São poucas as dúvidas de que um pequeno sistema auto-replicante possa ser construído. Há um forte apoio teórico quanto a basear um sistema como esse em mecânica química. E dada a variedade de buckytubes, buckyballs, buckyhorns (2) e outras formas de grafite e diamantóides que foram produzidas ou encontradas na natureza, é provável que uma máquina auto-replicante em nano-escala,
baseada na mecânica química covalente (3D) será relativamente simples de ser projetada.

Um objetivo ou um marco (um limite) da MNT é um "montador" (ou "compilador"): um sistema mecânico autônomo capaz de fabricar duplicatas de si mesmo a partir de materiais químicos simples. Vários pesquisadores investigaram os requisitos para um compilador. Robert Freitas e Ralph Merkle deverão publicar dois livros sobre o assunto em 2003 e 2004. Um único compilador não é muito útil, já que só é capaz de produzir produtos muito pequenos.

Contudo, se uma nano-fábrica contendo vários compiladores puder combinar os minúsculos produtos (nano-blocos) em um único produto maior, o resultado seria extremamente proveitoso. Tem se declarado que isso levará anos para ser alcançado, o que tem denegrido a utilidade dos compiladores MNT. Contudo, o trabalho do autor (do artigo) demonstra que uma nano-fábrica útil pode ser pré-projetada, de forma tal que construir e depurar (avaliar em busca de erros, testar) o projeto pode levar apenas alguns meses. Uma vez que o primeiro compilador seja construído, uma nano-fábrica funcional – e os nano-produtos – poderão se seguir muito bem dentro de um ano.

Embora o fato de que o design em nível atômico não será fácil, um designer de nano-produtos não vai precisar se preocupar com isso – assim com um engenheiro de software não se preocupa com os transístores em um computador. Um conjunto pequeno e pré-testado de nano-máquinas, construído em nano-blocos, pode ser combinado de várias formas para criar uma vasta variedade de produtos. Ao projetar com nano-blocos ao
invés de átomos, um designer de produtos perde pouca flexibilidade e ganha simplicidade e confiabilidade.
Nano-blocos podem ser interligados em um processo chamado de "compilação convergente". O processo de ligamento utiliza um único movimento, sendo preciso apenas robótica simples, e os ligamentos retêm a maior parte da força do material-base. Um único nano-bloco é grande o suficiente para conter um compilador, computador ou motor, e pequeno o suficiente para ser construído por um único compilador em poucas horas. Uma nano-fábrica construída de nano-blocos poderia construir e montar nano-blocos em uma gigantesca ordem de produtos – incluindo duplicatas de si mesma.

Uma tecnologia tão poderosa apresenta uma série de riscos. Um risco óbvio é uma corrida armamentista instável. O rápido desenvolvimento de novas tecnologias bélicas significaria menores oportunidades para a vigilância e uma incerteza maior com relação às futuras capacidade do inimigo. Armamentos seriam mais poderosos e muito mais "inteligentes" – imagine a capacidade combinada de um milhão de veículos aéreos não-tripulados com comparação de padrões on-board e capacidade de navegação.

Diversos fatores incitariam um ataque preventivo se uma vantagem temporária fosse alcançada em uma corrida armamentista de MNT. O resultado provável de um ataque seria ou uma dominação global, exigindo medidas Draconianas que incluiriram proibição de tecnologia, ou uma série de conflitos high-tech progressivamente destrutivos. Uma vez que armas, ou os sistemas que os produzam, sejam dispersados, prevenir seu uso em guerrilhas (por exemplo), exigiria inspeções de literalmente cada milímetro cúbico ou a contínua vigilância de populações inteiras.

A disponibilidade de produção de MNT desregulamentada poderia criar uma série de problemas sérios. A atividade criminosa e terrorista se beneficiaria de produtos menores, mais capacitados. Dispositivos de vigilância pequenos, amplamente disponíveis e baratos permitiriam uma invasão de privacidade sem precedentes por governos, criminosos e vizinhos. Produtos microscópicos baratos poderiam levar ao alastramento de detritos e resíduos microscópios, com possíveis consequências ambientais e à saúde.
Sistemas pequenos, autônomos, auto-replicantes e capazes de se alimentar ("gray goo") parecem ser teoricamente possíveis, e poderiam ser liberados por terroristas, sabotadores ou mesmo hobbistas menos responsáveis.

Apesar de serem provavelmente menos perigosos que uma guerra total com armas construídas com MNT, tais dispositivos poderiam ser significantemente mais destrutivos do que espécies biológicas invasivas, já que eles não teriam inimigos naturais. Muitos desses problemas poderiam ser solucionados com um monitoramento ambiental abrangente, mas os sistemas necessários podem não ser aplicados de maneira rápida e universal.

A manufatura molecular pode causar um rompimento econômico substancial. Vários setores da atualidade, incluindo a manufatura, entrega e matéria-prima se romperiam ou se tornariam desatualizados. Fábricas totalmente auto-replicantes automatizadas reduziriam o valor tanto do capital quanto do trabalho, e diminuiriam o custo dos bens. Uma grande disparidade entre custo e valor facilitaria um forte incentivo à políticas protecionistas e anti-competitivas, resultando num alastramento de mercados negros. A indústria do entretenimento já experimenta problemas semelhantes; a MNT pode extendê-los à maioria dos produtos manufaturados.

Tentativas simplistas de regularizar a MNT poderiam criar mais problemas do que soluções. Tentativas de restringir a proliferação podem gerar regulamentações opressivas ou mesmo abusivas. Hoje em dia, bilhões de pessoas vivem em doença ou miséria devido à falta de alguns produtos básicos como filtros de água, telas de mosquitos (mosqueteiros) e computadores. Tudo isso seria fácil de produzir com manufatura baseada em MNT, mas ações recentes dos EUA, bloqueando uma tentativa da WTO de fornecer medicamentos acessíveis à nações mais pobres indicam que o mesmo poderia acontecer com MNT.

Um população que tivesse o acesso negado aos benefícios da produção molecular barata, devido à políticas protecionistas ou políticas paranóicas de segurança (ou mesmo apenas levemente sobrecarregadas), teriam um forte incentivo ao roubo, à duplicação ou à pirataria da tecnologia. O desenvolvimento independente de programas em MNT multiplicaria muitos dos riscos, incluindo o risco de regulamentações e restrições técnicas necessárias serem ignoradas. Partindo do princípio de que nano-fábricas serão autônomas, incrivelmente valiosas e facilmente ocultáveis, um mercado negro de nano-fábricas seria difícil de se prevenir. Por fim, o controle da tecnologia poderia se perder, e regiões com regulamentações excessivas seriam desconsideradas.

Ao desenvolver a MNT, pode ser que o caminho mais seguro seja um único esforço de desenvolvimento internacional, levando a uma tecnologia que possa ser amplamente distribuída e cuidadosamente administrada – com um controle tecnológico rígido ajustado para limitar seu uso. Isso forneceria uma infra-estrutura para o auxílio humanitário com produtos básicos, lucrabilidade com outros produtos, e talvez até um controle armamentício – caso nações sejam impedidas de desenvolver uma capacidade de MNT independente, não
monitorada.

Se essa for de fato a melhor abordagem, a necessidade de ação é ainda mais urgente. Uma nação com um programa de desenvolvimento MNT bem enraizado estará pouco inclinada, provavelmente, à juntar-se ou a apoiar um esforço de desenvolvimento internacional. Não será fácil convencer líderes políticos e militares, capitães da indústria e ativistas ambientais e sociais de que o melhor plano de ação envolve abrir mão de algum controle, visando reter algum controle.

O desenvolvimento de MNT parece inevitável por duas razões. A primeira é a imensa utilidade da MNT. Mesmo que a pressão pública a impeça de ser utilizada em bens de consumo, muitos exércitos não hesitariam em desenvolvê-la como um tremendo auxílio à sua capacidade militar. Em conflitos convencionais, as melhorias em logística, a miniaturização, o custo e o desenvolvimento dariam uma avassaladora vantagem ao detentor de tal tecnologia, tanto na preparação quanto ao combate, propriamente dito.

A segunda razão é a progressiva facilidade do desenvolvimento. Tecnologias possibilitantes estão melhorando a cada ano. Novas famílias de materiais químicos estruturais estão sendo descobertos. Novas tecnologias de fabricação, novas tecnologias de visualização em nano-escala e a capacidade computacional para simulações mecano-químicas diminuirão rapidamente a dificuldade de se construir um compilador – e, logo, uma nano-fábrica. Atualmente, um programa bem-sucedido iria precisar de bilhões de dólares e muitos anos de desenvolvimento..

Daqui a uma década isso poderá ser possível por apenas U$ 100 milhões, algo dentro do alcance de muitas corporações e nações. Nesse ponto, se a MNT não estiver amplamente disponível, ela será desenvolvida em muitos laboratórios ao redor do mundo – e será quase impossível de ser controlada.

Ao envolver todas as fases de produção, do processamento químico à montagem final, a manufatura em MNT pode ser, de longe, mais flexível que qualquer outra tecnologia, com a possível exceção dos computadores programáveis. Umas poucas outras tecnologias podem ser igualmente perigosas, mas são mais fáceis de serem controladas.

A tecnologia nuclear só pode ser usada para algumas coisas – bombas, geração de energia, tratamento de câncer – e, portanto, tem sido possível a um esforço internacional razoavelmente pequeno manter o controle sobre vários aspectos dessa tecnologia. A biotecnologia é flexível em seu domínio, mas produtos biotecnológicos têm sido difíceis de serem projetados. Sistemas convencionais rápidos de testes irão melhorar gradualmente; haverá ainda algum tempo antes que eles possam criar produtos completos, e ainda mais tempo antes que eles possam duplicar a si mesmos de forma barata.

Uma tecnologia singular com a programabilidade e a veloidade de computadores digitais, a flexibilidade química da biotecnologia, o potencial militar da tecnologia nuclear ou das aeronaves e a utilidade de uma avançada proto-tipagem (3) rápida, irá trazer muitas mudanças. A variedade de problemas potenciais, nas esferas econômica, militar, política, humanitária e ambiental indicam que nenhuma solução simples poderá funcionar. Um equilíbrio deve ser atingido entre defesa nacional e controle de armas; entre a prática
capitalista e as necessidades sociais e entre o uso privado irrestrito e a opressão restritiva. Essas questões não serão fáceis de se resolver.

Os passos finais de desenvolvimento ocorrerão depressa demais para que as soluções possam evoluir. Se um plano bem desenhado não estiver pronto antes que isso aconteça, um ou mais riscos irão muito provavelmente levar à destruição militar, à ruptura econômica ou social, ou ao sofrimento humano desnecessário em grande escala. Cada um dos riscos principais deve ser estudado em profundidade. Educação pública e discussões devem surgir. Legisladores e políticos devem ser informados.

Há pouquíssima dúvida de que a manufatura em MNT será desenvolvida dentro das próximas três décadas, e isso pode acontecer tão rápido quanto dez anos. Parece provável que algum tipo de administração internacional será necessária. Qualquer grande corpo administrativo, principalmente um que requeira uma complexa cooperação internacional, levará tempo para ser planejado, financiado e criado. Tudo isso pode necessitar de mais de uma década. Um grande esforço internacional de desenvolvimento também pode ser necessário e teria que começar ainda mais cedo.

Esses fatores indicam que a preparação para a nanotecnologia molecular deveriam se tornar um tópico atual em políticas e planejamentos de alto nível.


(1) Scanning probe microscope. Aguardo melhor tradução.
(2) Não faço idéia do que isso possa significar, mas muito provavelmente está associado à produtos que utilizam nanotecnologia em sua fabricação já disponíveis no mercado.
(3) Very advanced rapid prototyping. Aguardo melhor tradução.

Referências:


A Debate About Assemblers
http://www.imm.org/SciAmDebate2/index.html.

Consulte http://CRNano.org/bootstrap.htm para os trabalhos mais recentes.

Para discussões mais extensivas sobre os riscos, os benefícios e as opções de administração, consulte http://CRNano.org/overview.htm.

© 2003 Federation of American Scientists. Reprinted with permission.