Singularidade Tecnológica

10.4.06

Manufatura Molecular: Comece a Planejar

por Chris Phoenix

A manufatura molecular nanotecnológica está chegando. O valor econômico – e a importância militar – de uma nano-fábrica serão imensos. Mas se um bom plano não estiver preparado, sérios riscos provavelmente levarão à destruição militar, à rupturas econômicas e sociais ou ao desnecessário sofrimento humano em larga escala. Aqui está o que precisa ser feito.

Originalmente publicado em
The Federation of American Scientists Public Interest Report, Volume 56, Number 2, Summer 2003. Publicado no KurzweilAI.net em 8 de outubro de 2003.

Apesar das alegações contrárias, a manufatura molecular nanotecnológica estará chegando logo. Devido ao fato de que será muito útil, haverá uma pressão para que ela seja desenvolvida o mais rápido possível, e a partir de um certo ponto ela poderá acontecer muito rapidamente. Sistemas de manufatura em macro-escala com nanotecnologia integrada irão melhorar a funcionalidade dos produtos, o tempo de projeto e manufatura, além da velocidade e os custos de produção em considerável magnitude. Esse avanço poderá afetar profundamente a geopolítica e a economia, criando gigantescos riscos e benefícios. Será difícil preparar-se adequadamente para uma tecnologia tão poderosa. Por todas essas razões, a nanotecnologia molecular deveria ser um tópico atual nos planejamentos e políticas de alto-escalão (ou nível).

A palavra "nanotecnologia" possui muitos significados. Atualmente, a pesquisa nanotecnológica está principalmente preocupada em construir pequenas estruturas que possuam novas e desconhecidas propriedades. Tais pesquisas se adicionam constantemente à caixa-de-ferramentas tecnológica, levando à produtos melhorados e ocasionalmente à novas indústrias. De modo geral, tais nanotecnologias "estruturais" criam riscos comparáveis a outras áreas de estudo científico. O segundo tipo de nanotecnologia é o tipo ficção-científica, no qual nano-robôs poderiam ir para qualquer lugar e fazer qualquer coisa, mas geralmente esse tipo não está dentro da realidade.

O terceiro tipo de nanotecnologia, a nanotecnologia "molecular" (MNT, Molecular Nanotech), é o objeto deste artigo. A MNT irá combinar a química e a fabricação para produzir máquinas precisas e sistemas de manufatura em escala nanométrica. Muito do trabalho científico básico já foi feito; o que ainda falta é a engenharia para criar um dispositivo funcional e então integrar vários dispositivos em uma "nano-fábrica" em
escala humana.

Embora grande parte dos projetos atuais de nanotecnologia se concentrem em nanotecnologia estrutural, o desenvolvimento de nanotecnologia molecular certamente se tornará uma prioridade dentro de alguns anos. A capacidade total da MNT não poderá ser desenvolvida em uma década ou mais, mas as preparações para ela provavelmente deveriam começar agora.

O valor econômico – e a importância militar – de uma nano-fábrica serão imensos. Mesmo um modelo primitivo seria capaz de converter arquivos CAD em produtos em poucas horas. Nano-fábricas duplicantes deverão custar o mesmo que qualquer outro produto nano-construído. O custo capital de manufatura será insignificante se comparado aos padrões atuais e a capacidade poderá ser dobrada em questão de horas.

Nanocomputadores substituirão rapidamente a tecnologia dos semicondutores; quem quer que controle essa tecnologia será capaz de produzir mais computadores do que o resto do mundo reunido. A habilidade de inserir um supercomputador (ou um equipamento robótico sofisticado) em qualquer equipamento, sem nenhum custo extra de produção, permitirá o surgimento de novos tipos de produtos e armamentos. Um robô cirúrgico nano-construído equipado com um conjunto completo de sensores poderia ser menor do que uma agulha hipodérmica. O desenvolvimento e o estendimento de novos sistemas armamentícios poderia ser mais rápido e mais barato. Mesmo os produtos iniciais de uma nano-fábrica MNT valeriam centenas de bilhões de dólares, e o potencial de um avanço extremamente veloz na capacidade de nano-fabricação poderia significar que nenhuma unidade econômica ou política poderia permitir a um competidor o controle da tecnologia.

Há uma série de evidências que indicam que a nano-manufatura molecular é possível. Uma década atrás, uma empresa chamada Nanosystems estudou a química e a engenharia necessárias para o processo em profundidade; nem mesmo um único erro significante foi encontrado até agora. As células (biológicas), máquinas naturais auto-replicantes, geram uma variedade de minerais, incluindo a magnetita (um tipo de óxido de ferro) e o dióxido de silício – e elas fazem isso submersas na água, usando técnicas químicas de bilhões de anos de idade. Uma química correspondente (ou covalente) já foi realizada com um escaneamento feito por uma sonda-microscópio (1).

Os melhores argumentos da crítica inteligente com relação à possibilidade da nano-manufatura foram detalhadamente contestados. São poucas as dúvidas de que um pequeno sistema auto-replicante possa ser construído. Há um forte apoio teórico quanto a basear um sistema como esse em mecânica química. E dada a variedade de buckytubes, buckyballs, buckyhorns (2) e outras formas de grafite e diamantóides que foram produzidas ou encontradas na natureza, é provável que uma máquina auto-replicante em nano-escala,
baseada na mecânica química covalente (3D) será relativamente simples de ser projetada.

Um objetivo ou um marco (um limite) da MNT é um "montador" (ou "compilador"): um sistema mecânico autônomo capaz de fabricar duplicatas de si mesmo a partir de materiais químicos simples. Vários pesquisadores investigaram os requisitos para um compilador. Robert Freitas e Ralph Merkle deverão publicar dois livros sobre o assunto em 2003 e 2004. Um único compilador não é muito útil, já que só é capaz de produzir produtos muito pequenos.

Contudo, se uma nano-fábrica contendo vários compiladores puder combinar os minúsculos produtos (nano-blocos) em um único produto maior, o resultado seria extremamente proveitoso. Tem se declarado que isso levará anos para ser alcançado, o que tem denegrido a utilidade dos compiladores MNT. Contudo, o trabalho do autor (do artigo) demonstra que uma nano-fábrica útil pode ser pré-projetada, de forma tal que construir e depurar (avaliar em busca de erros, testar) o projeto pode levar apenas alguns meses. Uma vez que o primeiro compilador seja construído, uma nano-fábrica funcional – e os nano-produtos – poderão se seguir muito bem dentro de um ano.

Embora o fato de que o design em nível atômico não será fácil, um designer de nano-produtos não vai precisar se preocupar com isso – assim com um engenheiro de software não se preocupa com os transístores em um computador. Um conjunto pequeno e pré-testado de nano-máquinas, construído em nano-blocos, pode ser combinado de várias formas para criar uma vasta variedade de produtos. Ao projetar com nano-blocos ao
invés de átomos, um designer de produtos perde pouca flexibilidade e ganha simplicidade e confiabilidade.
Nano-blocos podem ser interligados em um processo chamado de "compilação convergente". O processo de ligamento utiliza um único movimento, sendo preciso apenas robótica simples, e os ligamentos retêm a maior parte da força do material-base. Um único nano-bloco é grande o suficiente para conter um compilador, computador ou motor, e pequeno o suficiente para ser construído por um único compilador em poucas horas. Uma nano-fábrica construída de nano-blocos poderia construir e montar nano-blocos em uma gigantesca ordem de produtos – incluindo duplicatas de si mesma.

Uma tecnologia tão poderosa apresenta uma série de riscos. Um risco óbvio é uma corrida armamentista instável. O rápido desenvolvimento de novas tecnologias bélicas significaria menores oportunidades para a vigilância e uma incerteza maior com relação às futuras capacidade do inimigo. Armamentos seriam mais poderosos e muito mais "inteligentes" – imagine a capacidade combinada de um milhão de veículos aéreos não-tripulados com comparação de padrões on-board e capacidade de navegação.

Diversos fatores incitariam um ataque preventivo se uma vantagem temporária fosse alcançada em uma corrida armamentista de MNT. O resultado provável de um ataque seria ou uma dominação global, exigindo medidas Draconianas que incluiriram proibição de tecnologia, ou uma série de conflitos high-tech progressivamente destrutivos. Uma vez que armas, ou os sistemas que os produzam, sejam dispersados, prevenir seu uso em guerrilhas (por exemplo), exigiria inspeções de literalmente cada milímetro cúbico ou a contínua vigilância de populações inteiras.

A disponibilidade de produção de MNT desregulamentada poderia criar uma série de problemas sérios. A atividade criminosa e terrorista se beneficiaria de produtos menores, mais capacitados. Dispositivos de vigilância pequenos, amplamente disponíveis e baratos permitiriam uma invasão de privacidade sem precedentes por governos, criminosos e vizinhos. Produtos microscópicos baratos poderiam levar ao alastramento de detritos e resíduos microscópios, com possíveis consequências ambientais e à saúde.
Sistemas pequenos, autônomos, auto-replicantes e capazes de se alimentar ("gray goo") parecem ser teoricamente possíveis, e poderiam ser liberados por terroristas, sabotadores ou mesmo hobbistas menos responsáveis.

Apesar de serem provavelmente menos perigosos que uma guerra total com armas construídas com MNT, tais dispositivos poderiam ser significantemente mais destrutivos do que espécies biológicas invasivas, já que eles não teriam inimigos naturais. Muitos desses problemas poderiam ser solucionados com um monitoramento ambiental abrangente, mas os sistemas necessários podem não ser aplicados de maneira rápida e universal.

A manufatura molecular pode causar um rompimento econômico substancial. Vários setores da atualidade, incluindo a manufatura, entrega e matéria-prima se romperiam ou se tornariam desatualizados. Fábricas totalmente auto-replicantes automatizadas reduziriam o valor tanto do capital quanto do trabalho, e diminuiriam o custo dos bens. Uma grande disparidade entre custo e valor facilitaria um forte incentivo à políticas protecionistas e anti-competitivas, resultando num alastramento de mercados negros. A indústria do entretenimento já experimenta problemas semelhantes; a MNT pode extendê-los à maioria dos produtos manufaturados.

Tentativas simplistas de regularizar a MNT poderiam criar mais problemas do que soluções. Tentativas de restringir a proliferação podem gerar regulamentações opressivas ou mesmo abusivas. Hoje em dia, bilhões de pessoas vivem em doença ou miséria devido à falta de alguns produtos básicos como filtros de água, telas de mosquitos (mosqueteiros) e computadores. Tudo isso seria fácil de produzir com manufatura baseada em MNT, mas ações recentes dos EUA, bloqueando uma tentativa da WTO de fornecer medicamentos acessíveis à nações mais pobres indicam que o mesmo poderia acontecer com MNT.

Um população que tivesse o acesso negado aos benefícios da produção molecular barata, devido à políticas protecionistas ou políticas paranóicas de segurança (ou mesmo apenas levemente sobrecarregadas), teriam um forte incentivo ao roubo, à duplicação ou à pirataria da tecnologia. O desenvolvimento independente de programas em MNT multiplicaria muitos dos riscos, incluindo o risco de regulamentações e restrições técnicas necessárias serem ignoradas. Partindo do princípio de que nano-fábricas serão autônomas, incrivelmente valiosas e facilmente ocultáveis, um mercado negro de nano-fábricas seria difícil de se prevenir. Por fim, o controle da tecnologia poderia se perder, e regiões com regulamentações excessivas seriam desconsideradas.

Ao desenvolver a MNT, pode ser que o caminho mais seguro seja um único esforço de desenvolvimento internacional, levando a uma tecnologia que possa ser amplamente distribuída e cuidadosamente administrada – com um controle tecnológico rígido ajustado para limitar seu uso. Isso forneceria uma infra-estrutura para o auxílio humanitário com produtos básicos, lucrabilidade com outros produtos, e talvez até um controle armamentício – caso nações sejam impedidas de desenvolver uma capacidade de MNT independente, não
monitorada.

Se essa for de fato a melhor abordagem, a necessidade de ação é ainda mais urgente. Uma nação com um programa de desenvolvimento MNT bem enraizado estará pouco inclinada, provavelmente, à juntar-se ou a apoiar um esforço de desenvolvimento internacional. Não será fácil convencer líderes políticos e militares, capitães da indústria e ativistas ambientais e sociais de que o melhor plano de ação envolve abrir mão de algum controle, visando reter algum controle.

O desenvolvimento de MNT parece inevitável por duas razões. A primeira é a imensa utilidade da MNT. Mesmo que a pressão pública a impeça de ser utilizada em bens de consumo, muitos exércitos não hesitariam em desenvolvê-la como um tremendo auxílio à sua capacidade militar. Em conflitos convencionais, as melhorias em logística, a miniaturização, o custo e o desenvolvimento dariam uma avassaladora vantagem ao detentor de tal tecnologia, tanto na preparação quanto ao combate, propriamente dito.

A segunda razão é a progressiva facilidade do desenvolvimento. Tecnologias possibilitantes estão melhorando a cada ano. Novas famílias de materiais químicos estruturais estão sendo descobertos. Novas tecnologias de fabricação, novas tecnologias de visualização em nano-escala e a capacidade computacional para simulações mecano-químicas diminuirão rapidamente a dificuldade de se construir um compilador – e, logo, uma nano-fábrica. Atualmente, um programa bem-sucedido iria precisar de bilhões de dólares e muitos anos de desenvolvimento..

Daqui a uma década isso poderá ser possível por apenas U$ 100 milhões, algo dentro do alcance de muitas corporações e nações. Nesse ponto, se a MNT não estiver amplamente disponível, ela será desenvolvida em muitos laboratórios ao redor do mundo – e será quase impossível de ser controlada.

Ao envolver todas as fases de produção, do processamento químico à montagem final, a manufatura em MNT pode ser, de longe, mais flexível que qualquer outra tecnologia, com a possível exceção dos computadores programáveis. Umas poucas outras tecnologias podem ser igualmente perigosas, mas são mais fáceis de serem controladas.

A tecnologia nuclear só pode ser usada para algumas coisas – bombas, geração de energia, tratamento de câncer – e, portanto, tem sido possível a um esforço internacional razoavelmente pequeno manter o controle sobre vários aspectos dessa tecnologia. A biotecnologia é flexível em seu domínio, mas produtos biotecnológicos têm sido difíceis de serem projetados. Sistemas convencionais rápidos de testes irão melhorar gradualmente; haverá ainda algum tempo antes que eles possam criar produtos completos, e ainda mais tempo antes que eles possam duplicar a si mesmos de forma barata.

Uma tecnologia singular com a programabilidade e a veloidade de computadores digitais, a flexibilidade química da biotecnologia, o potencial militar da tecnologia nuclear ou das aeronaves e a utilidade de uma avançada proto-tipagem (3) rápida, irá trazer muitas mudanças. A variedade de problemas potenciais, nas esferas econômica, militar, política, humanitária e ambiental indicam que nenhuma solução simples poderá funcionar. Um equilíbrio deve ser atingido entre defesa nacional e controle de armas; entre a prática
capitalista e as necessidades sociais e entre o uso privado irrestrito e a opressão restritiva. Essas questões não serão fáceis de se resolver.

Os passos finais de desenvolvimento ocorrerão depressa demais para que as soluções possam evoluir. Se um plano bem desenhado não estiver pronto antes que isso aconteça, um ou mais riscos irão muito provavelmente levar à destruição militar, à ruptura econômica ou social, ou ao sofrimento humano desnecessário em grande escala. Cada um dos riscos principais deve ser estudado em profundidade. Educação pública e discussões devem surgir. Legisladores e políticos devem ser informados.

Há pouquíssima dúvida de que a manufatura em MNT será desenvolvida dentro das próximas três décadas, e isso pode acontecer tão rápido quanto dez anos. Parece provável que algum tipo de administração internacional será necessária. Qualquer grande corpo administrativo, principalmente um que requeira uma complexa cooperação internacional, levará tempo para ser planejado, financiado e criado. Tudo isso pode necessitar de mais de uma década. Um grande esforço internacional de desenvolvimento também pode ser necessário e teria que começar ainda mais cedo.

Esses fatores indicam que a preparação para a nanotecnologia molecular deveriam se tornar um tópico atual em políticas e planejamentos de alto nível.


(1) Scanning probe microscope. Aguardo melhor tradução.
(2) Não faço idéia do que isso possa significar, mas muito provavelmente está associado à produtos que utilizam nanotecnologia em sua fabricação já disponíveis no mercado.
(3) Very advanced rapid prototyping. Aguardo melhor tradução.

Referências:


A Debate About Assemblers
http://www.imm.org/SciAmDebate2/index.html.

Consulte http://CRNano.org/bootstrap.htm para os trabalhos mais recentes.

Para discussões mais extensivas sobre os riscos, os benefícios e as opções de administração, consulte http://CRNano.org/overview.htm.

© 2003 Federation of American Scientists. Reprinted with permission.