Singularidade Tecnológica

10.4.06

Tecnoutopia e a Morte da Natureza

por James John Bell

Algo está sendo ignorado na discussão sobre a singularidade tecnológica, conforme James Bell: o verdadeiro valor do progresso significará um declínio sem precedentes dos habitantes do planeta - uma crescente taxa de extinção global, alertam alguns.

Não há dúvidas de que as tendências de crescimento da indústria e da ciência estão aumentando exponencialmente. Há, contudo, um crescente debate sobre o que esta aceleração desenfreada de ingenuidade pode trazer. Um número de cientistas e futurólogos (futurists) atualmente prevêem que o progresso tecnológico está levando o mundo em direção a uma "Singularidade"- um ponto no qual a natureza e a tecnologia terão se tornado um só. Nessa união, o mundo como o conhecemos terá se extingüido e novas definições de "vida", "natureza" e "humanidade" deverão surgir.

"Estamos no limiar de uma mudança comparável ao surgimento da vida humana na Terra", diz o professor de Ciência da Computação da Universidade de San Diego, Vernor Vinge, o primeiro a alertar a comunidade científica em 1993. "Dentro de 30 anos, teremos os meios tecnológicos necessários para criar formas de inteligência super-humanas. Logo depois disso, a era humana irá terminar".

Alguns cientistas e filósofos têm teorizado que o próprio propósito da vida é atingir a Singularidade. Ainda que as indústrias de tecnologia tenham estadocientes do conceito de Singularidade já desde que algum tempo, existe a preocupação de que se o público compreender as ramificações totais da Singularidade, ele seria relutante em aceitar muitas das tecnologias novas e não-testadas, como alimentos geneticamente modificados, nanotecnologia e robótica.

Evolução das Máquinas
Uma quantidade de livros sobre a Singularidade está em andamento e logo deverá aparecer. Em 2003, a seqüência do sucesso de bilheterias Matrix deverá ir fundo na filosofia e nas origens de um futuro controlado por máquinas, na Terra. Os integrantes do elenco de Matrix foram orientados a ler o livro do editor da Wired, Kevin Kelly, Out of Control: The Rise of Neo-biological Civilization, publicado em 1994. Na primeira página, lê-se: "O reino dos nascidos - tudo o que é da natureza - e o reino dos feitos - tudo que é construído por seres humanos - está se tornando um só".

Enquanto isso, a Warner Brothers está embarcado no filme mais caro já produzido - uma seqüência de U$180 milhões chamada Exterminador do Futuro 3: A Ascensão das Máquinas. O filme deve sair em 2003; uma boa década antes do que é previsto para que a evolução das máquinas acelere ao ponto de estar fora de controle, mergulhando a civilização humana em direção à Singularidade.

No centro dos trabalhos relacionados à Singularidade estão uma série de "leis" - uma das quais é conhecida como Lei de Moore. O co-fundador da Intel, Gordon E. Moore, notou que o número de transístores que caberiam em um único chip de computador dobrou a cada ano, em seis anos, desde o início dos circuitos integrados em 1959. Moore previu que a tendência continuaria, o que aconteceu - apesar de a taxa de dobra ter sido ajustada mais tarde a um ciclo de 18 meses.

Atualmente, milhões de circuitos podem ser encontrados em um único chip de computador e o "progresso" tecnológico está acelerando a uma taxa exponencial, ao invés de linear.

Stewart Brand, em seu livro The Clock of the Long Now, discute outra lei - a Lei de Monsanto - que declara que a habilidade para identificar e utilizar a informação genética dobra a cada 12 a 24 meses. Esse crescimento exponencial em conhecimento biológico está transformando a agricultura, a nutrição e a medicina, nas emergentes indústrias-vitais.

Em 2005, a IBM planeja apresentar o "Blue Gene", um computador que é capaz de um milhão-bilhão de cálculos-por-segundo - aproximadamente 1/20 da capacidade do cérebro humano. Esse computador poderia transmitir o conteúdo inteiro da Biblioteca do Congresso em menos de dois segundos. De acordo com a Lei de Moore, o hardware de computador utrapassará a capacidade cerebral humana na primeira década deste século. Um software capaz de simular a mente humana - a "inteligência artificial" - levará mais alguns anos para evoluir.

Alcançando o Infinito
A civilização humana também experimenta um gigantesco crecimento exponencial da população. Dan Eder, cientista do Boeing Artificial Intelligence Center, observa que "o crescimento populacional humano nos últimos 10.000 anos tem seguido uma tendência hiperbólica de crescimento... com a assíntota (ou o ponto próximo do crescimento infinito) localizado no ano 2035 DC". Um número infinito de seres humanos é impossível, é claro. Cientistas prevêem que nossos números devam pairar ao redor de 9 bilhões até metade do século.

Eder assinala que a ascensão da inteligência artificial coincide com a assíntota do crescimento populacional humano. Ele especula que a vida artificial poderia começar a se multiplicar exponencialmente, uma vez que a vida biológica tenha encontrado seu limite final.

Os cientistas não debatem tanto sobre se isso vai acontecer, mas sim que descoberta irá desencadear uma série de eventos tecnológicos capazes de alterar a Terra. Eles sugerem que avanços nos campos da nanotecnologia ou a descoberta da inteligência artificial poderão conduzir à Singularidade.

Globalização Tecnológica
Físicos, matemáticos e cientistas como Vernor Vinge e Ray Kurzweil puderam identificar, através de suas teorias sobre mudanças tecnológicas aceleradas, as prováveis fronteiras da Singularidade e previram com segurança os efeitos que levarão a isso nas próximas décadas.

A maioria das pessoas mais próximas a essas teorias e leis - o setor tecnológico - mal podem esperar pela chegada da Singularidade. Os que acreditam realmente nela chamam a si mesmo de "extrópicos" (extropians), "pós-humanos" e "transhumanistas" e estão se organizando deliberadamente não só para trazer a Singularidade, mas para conter o que eles chamam de "tecno-fóbicos" e "neo-ludditistas" (neo-luddites) - críticos como o Greenpeace, o Earth First! e a Rainforest Action Network.

A Coalizão de Acão para o Progresso (Pro-Act), formada em junho de 2001, fantasia sobre "o sonho da verdadeira inteligência artificial... acresentando uma nova riqueza ao cenário humano jamais conhecida". O site da Pro-Act apresenta várias seções onde as estratégias e as táticas de grupos ambientais são apontadas para "reação".

A Pro-Act, a AgBioworld, a Biotechnology Progress, o Foresight Institute, a Progress Freedom Foundation e outros grupos industriais que desejam a aceleração do progresso científico, reconhecem que a maior ameaça ao progresso tecnológico vem não só de grupos ambientais, mas de um pequeno grupo da comunidade científica - onde uma voz prevalece.

O Alerta
Em abril de 2000, uma distorção foi lançada sobre a chegada da Singularidade por uma fonte improvável - o cientista-chefe da Sun Microsystems, Bill Joy. Joy foi o co-fundador da Sun Microsystems, ajudou a criar o sistema operacional Unix e desenvolveu os softwares Java e Jini - programas que ajudaram a "dar vida" à Internet.

Num controverso artigo de capa da revista Wired, Porque o Futuro Não Precisa de Nós, Joy alertava sobre os perigos representados pelo desenvolvimento em genética, nanotecnologia e robótica. Os alertas de Joy sobre os impactos do progresso exponencial tecnológico trazendo o caos deram um novo crédito à Singularidade esperada. A menos que as coisas mudem, Joy previu, "nós poderemos ser a última geração de humanos". Ele alertou que "o conhecimento por sí só pode alavancar a destruição em massa" e deu a esse fenômeno o termo "destruição em massa alavancada pelo conhecimento" (knowledge-enabled mass destruction, ou KMD).

O jornal Times de Londres comparou as declarações de Joy com a carta de Einstein, enviada em 1939 ao presidente Roosevelt, alertando sobre os perigos da bomba nuclear.

As tecnologias do século XX deram origem às tecnologias nuclear, biológica e química (NBC, Nuclear-Biological-Chemical) que, embora poderosas, necessitam do acesso à uma vasta quantidade de matérias-primas (muitas vezes raras), informação técnica e indústrias de larga-escala. As tecnologias de genética, nanotecnologia e robótica (Genetics-Nanotechnology-Robotics, ou GNR) contudo, não precisarão de grandes equipamentos ou materiais raros.

A ameaça representada por tecnologias GNR torna-se ainda maior pelo fato de que algumas dessas tecnologias são projetadas para poderem se "auto-replicar" - ou seja, elas poderiam construir novas versões de si mesmas. Bombas nucleares não germinaram mais bombas nucleares e derramamentos tóxicos não geraram mais derramamentos tóxicos. Se as novas tecnologias auto-replicantes GNR fossem liberadas no ambiente, elas seriam quase impossíveis de serem canceladas ou controladas.


Globalização e Singularidade
Joy entende que os maiores perigos que atualmente enfrentamos derivam ulteriormente de um mundo onde corporações globais dominariam - um futuro no qual grande parte do mundo não tem voz sobre como o mundo é gerenciado. As tecnologias GNR do século XXI, ele diz, "estão sendo desenvolvidas quase exclusivamente por corporações. Nós estamos perseguindo agressivamente promessas dessas novas tecnologias dentro do invicto sistema do capitalismo global e seus múltiplos incentivos financeiros e pressões competitivas".

Joy acredita que o sistema de capitalismo global, combinado às nossas atuais taxas de progresso, dão à raça humana uma chance de 30% a 50% de se extingüir mais ou menos até a época em que a Singularidade irá acontecer. "Essas estimativas não são apenas desencorajadoras", ele acrescenta, "mas elas não incluem a possibilidade dos resultados horrendos que vão além da extinção" (1).

O químico atmosférico Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel, sustenta que se os químicos do final do século passado tivessem decidido utilizar bromina ao invés de clorina para produzir refrigerantes (2) (um mero escape da química), o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida seria muito maior, teria durado o ano inteiro e teria afetado seriamente a vida na Terra. "Ter evitado isso foi apenas sorte", declarou Crutzen.

É muito provável que cientistas e corporações globais irão se esquecer de desenvolvimentos-chave (ou pior, deliberadamente evitar sua discussão). Uma geração inteira de biólogos abandonou sua área por laboratórios de biotecnologia e nanotecnologia. Como o biólogo Craig Holdredge, que acompanhou a biotecnologia desde seus estágios iniciais nos anos 70 alerta: "a ciência da biologia está perdendo sua conexão com a natureza".

Mesmo assim, algo está sendo ignorado nesta discussão sobre a singularidade tecnológica. O verdadeiro valor do progresso significará um declínio sem precedentes dos habitantes do planeta - uma crescente taxa de extinção global.

A União pela Conservação Mundial (IUCN), o Congresso Botânico Internacional e a maioria dos biólogos mundiais acreditam que uma "extinção em massa" global já está em andamento. Como um resultado direto da atividade humana (extração de recursos, agricultura industrial, a introdução de animais não-nativos e o crescimento populacional), mais de um quinto de todas as espécies vivas - a maioria nos trópicos - devem desaparecer dentro de 30 anos. "A velocidade em que as espécies estão sendo perdidas é muito maior do que qualquer outra que vimos no passado - incluindo as relacionadas a colisões de meteoros", segundo disse ao Washington Post o especialista em biodiversidade Daniel Simberloff, da Universidade do Tenessee.

Uma pesquisa realizada pela empresa Harris, em 1998, com 5.000 membros do American Institute of Biological Sciences, concluiu que 70% acreditava que o que tem sido chamado de "A Sexta Extinção" já está em andamento. Uma pesquisa simultânea da Harris indicou que 60% do público não tem conhecimento de um colapso biológico iminente.

Ao mesmo tempo em que a antiga criação biológica da natureza está em declínio, formas de vida artificiais, biotecnologicamente criadas em laboratório - tomates geneticamente modificados, salmões geneticamente projetados, ovelhas clonadas - estão surgindo. Atualmente, mais de 60% dos alimentos vendidos em supermercados dos EUA contêm ingredientes geneticamente projetados - e essa porcentagem está aumentando.

A natureza e a tecnologia não estão apenas evoluindo: elas estão competindo e se misturando uma com a outra. No final das contas, só poderá existir um vencedor.

(1) Many horrid outcomes that lie short of extinction. Aguardando sugestões de intepretação.
(2) Coolants. Substâncias produzidas com o intuito de refrigerar.

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Fontes

A conferência de maio de 2000, do Foresight Institute, "Confrontando a Singularidade", ministrada por Bill Joy, tratando do assunto de seu famoso alerta sobre a ameaça da tecnologia à sobrevivência humana.

- O site de Ray Kurzweil: kurweiai.net

The Campaign for a Post-Human World, de Richard Hayes, publicado no Earth Island Journal, em 2001.

James Bell é escritor do Sustain, um grupo de informações ambientais nacional baseado em Chicago. Este artigo foi extraído de seu próximo livro. Para maiores informações, visite www.technologicalsingularity.info ou entre contato pelo endereço jamesbell@sustainusa.org. Uma versão anterior desse artigo foi publicada na edição Samhain (novembro/dezembro de 2001) do Earth First! Journal.


(c) 2001 by James Bell.