Reinventando a Humanidade
por Ray Kurzweil
Ray Kurzweil prevê uma evolução radical da espécie humana nos próximos 40 anos. A fusão do homem e a máquina, aliada à repentina explosão na inteligência das máquinas e à velocidade de inovação na pesquisa genética e na nanotecnologia, resultarão em um mundo onde não há distinção entre o biológico e o mecânico, ou entre a realidade física e a virtual.
Originalmente publicado em The Futurist¸ março-abril de 2006. Republicado no KurzweilAI.net em 3 de fevereiro de 2006.
Estamos diante do limiar do evento mais profundo e transformador na história da humanidade, a “Singularidade”.
O que é a Singularidade? Da minha perspectiva, a Singularidade é um período futuro durante o qual o passo de mudança tecnológica será tão acelerado e de alcance tão longínquo, que a existência humana sobre esse planeta será irreversivelmente alterada. Combinaremos nossa capacidade cerebral – os conhecimentos, habilidades e sofismas de personalidade que nos tornam humanos – com nosso poder computacional (de nossos computadores [1]), para pensar, raciocinar, comunicar e criar, de formas que dificilmente conseguimos sequer contemplar, hoje.
A fusão do homem e a máquina, aliada à repentina explosão na inteligência das máquinas e à velocidade de inovação na pesquisa genética e na nanotecnologia, resultarão em um mundo onde não há distinção entre o biológico e o mecânico, ou entre a realidade física e a virtual. Essas revoluções tecnológicas nos permitirão transcender nossos frágeis corpos em todas as suas limitações. As doenças, da maneira que as conhecemos, serão erradicadas. Através do uso da nanotecnologia, seremos capazes de produzir quase qualquer produto físico sob demanda, a fome e a miséria mundiais serão solucionadas e a poluição desaparecerá. A existência humana experimentará um salto quântico em sua evolução. Seremos capazes de viver o quanto escolhermos. A transformação do cenário mundial para tal mundo é [2], em essência, a Singularidade.
Como é possível que estejamos tão perto dessa mudança enorme e não possamos vê-la? A resposta é a natureza acelerada [3] da renovação tecnológica. Ao pensar sobre o futuro, poucos levam em consideração o fato de que o progresso científico humano é exponencial: ele se expande multiplicando-se repetidamente por uma constante (10 vezes 10 vezes 10, e assim por diante), e não de maneira linear, ou seja, adicionando-se repetidamente uma constante (10 mais 10 mais 10...). Enfatizo a perspectiva exponencial-versus-linear porque é a falha mais importante (ou comum) que aqueles que fazem prognósticos cometem, ao considerar tendências futuras [4].
Nossos ancestrais supunham que o que estava à frente (no futuro) deles se parecesse com o que eles já haviam experimentado, com poucas exceções. Devido ao fato de que eles viveram em um período em que a taxa de renovação tecnológica era extremamente vagarosa, ao ponto de ser imperceptível, suas expectativas de um futuro imutável eram continuamente preenchidas. Atualmente, temos testemunhado a aceleração da curva. Por conseqüência, nós antecipamos o contínuo progresso tecnológico e as repercussões sociais que o seguem. Vemos o futuro como sendo diferente do presente. Mas o futuro será ainda mais surpreendente do que muitas pessoas se dão conta, porque poucos observadores realmente conseguem assimilar as implicações do fato de que taxa de mudança, em si, está acelerando [5].
O crescimento exponencial começa vagarosamente e de maneira virtualmente imperceptível, mas para além da dobra da curva ele se torna explosivo e profundamente transformador. Meus modelos demonstram que estamos dobrando a taxa de salto-paradigmático de renovação tecnológica a cada década. Em outras palavras, o século XX foi aumentando gradualmente a velocidade até a taxa atual de progresso; suas realizações, portanto, foram equivalentes a aproximadamente 20 anos de progresso, na taxa do ano 2000. Alcançaremos outros “20 anos” de progresso em apenas 14 anos (por 2014), e então faremos o mesmo novamente em apenas sete anos. Para expressar de uma outra forma, nós não vamos experimentar 100 anos de avanço tecnológico no século XXI; testemunharemos algo na ordem de 20.000 anos de progresso (novamente medindo com a taxa atual de progresso), ou o progresso em um nível aproximadamente 1.000 vezes maior do que o alcançado no século XX.
Como saberemos que a Singularidade está chegando?
A primeira metade do século XXI será caracterizada por três revoluções sobrepostas [6] – na genética, nanotecnologia e robótica. Essas tecnologias vão conduzir o início desse período de extraordinárias mudanças ao qual me refiro como Singularidade. Estamos nos estágios iniciais da revolução genética, atualmente. Ao compreendermos os processos de informações que fundamentam a vida, estamos aprendendo a re-programar a biologia para conquistar a extinção de doenças, a dramática expansão do potencial humano e a extensão radical da vida. Contudo, Hans Moravec, do Carnegie Mellon University’s Robotics Institute, aponta para o fato de que não importa quão primorosamente possamos ajustar nossa biologia baseada em DNA, a biologia jamais será capaz de se equiparar ao que seremos capazes de projetar, uma vez que compreendamos totalmente os princípios de operação da vida. Em outras palavras, seremos sempre “robôs de segunda classe”.
A revolução da nanotecnologia nos permitirá redesenhar e reconstruir – molécula por molécula – nossos corpos, cérebro e o mundo com o qual interagimos, indo muito além das limitações da biologia.
Porém, a revolução iminente mais poderosa será a revolução robótica. Por robótica, não me refiro exclusivamente – ou mesmo primariamente – a andróides de aparência humanóide, que ocupam espaço físico, mas sim à inteligência artificial em todas as suas variações.
Em seguida, projetei os componentes principais, fundamentando cada uma dessas futuras revoluções tecnológicas. Enquanto cada nova onda de progresso solucionará os problemas das transformações anteriores, cada uma delas também apresentará novos perigos, mas cada uma, operando tanto separadamente como em conjunto, sustenta a Singularidade.
A Revolução Genética
As ciências molecular e genética estenderão a biologia e corrigirão falhas óbvias (como nossa vulnerabilidade à doenças). Por volta do ano 2020, os efeitos totais da revolução genética serão sentidos através da sociedade. Nós estamos adquirindo rapidamente o conhecimento e as ferramentas necessários para estender drasticamente a usabilidade da “casa” a que cada um de nós denomina seu corpo e cérebro.
O pesquisador de nano-medicina Robert Freitas estima que ao eliminarmos 50% das condições evitáveis, do ponto de vista médico, estenderíamos a expectativa da vida humana em 150 anos. Se pudermos prevenir 90% dos problemas de saúde ocorridos naturalmente, viveremos para ter 1.000 anos de idade.
Podemos ver os primórdios dessa aterradora revolução da medicina atualmente. O campo da biotecnologia genética é abastecido pelo crescente arsenal de ferramentas. A descoberta de medicamentos era, antigamente, uma questão de encontrar substratos (substâncias químicas) que produzissem algum resultado benéfico sem efeitos colaterais excessivos, um método de pesquisa semelhante ao dos seres humanos primitivos, procurando por rochas ou outros implementos naturais que pudessem ser usados para propósitos úteis. Hoje, estamos descobrindo os caminhos bioquímicos precisos que constituem a base tanto dos processos de doenças como os de envelhecimento. Podemos desenhar medicamentos que executem missões minuciosas ao nível molecular. Com tecnologias genéticas recentemente desenvolvidas, estamos prestes a poder controlar como os genes se expressam. Expressão genética é o processo pelo qual componentes da célula (mais especificamente o RNA e os ribossomos), produzem proteínas de acordo com uma planta genética específica. Uma vez que toda célula humana contém uma amostra completa de DNA, e portanto o acabamento completo de todos os genes do corpo humano, uma célula específica, como a epitelial ou a célula pancreática [7], obtém suas características apenas da fração de informação genética relevante para aquele tipo particular de célula.
A expressão genética é controlada pelos peptídeos (moléculas constituídas de seqüências de mais de 100 aminoácidos) e por pequenas partículas de RNA. Estamos começando a entender agora como esses processos funcionam. Muitas terapias novas, atualmente em desenvolvimento e testes, são baseadas na manipulação de peptídeos, seja para desativar a expressão de genes nocivos (que causam doenças), ou para ativar genes desejáveis que, de outra forma, não seriam expressos em um tipo de célula particular. Uma nova técnica, chamada de interferência de RNA, é capaz de destruir o RNA expressando um gene e, desse modo, desativá-lo efetivamente.
O progresso acelerado em biotecnologia nos possibilitará reprogramar nossos genes e processos metabólicos, impulsionando os campos da genômica [8] (a influência/ativação dos genes), proteômica [9] (compreensão e influência das funções das proteínas), da terapia genética (supressão da expressão dos genes, assim como a adição de novas informações genéticas), o desenho racional de medicamentos (formulando drogas que visem mudanças precisas nos processos de adoecimento e envelhecimento), assim como a clonagem terapêutica de células, tecidos e órgãos rejuvenescidos.
A Revolução Nanotecnológica
A nanotecnologia promete as ferramentas para reconstruir o mundo físico – nossos corpos e cérebros aí incluídos – fragmento molecular por fragmento molecular e potencialmente átomo por átomo. Estamos encolhendo as características-chave (peças funcionais), de acordo com a Lei de Retorno de Aceleração, a uma taxa exponencial (mais de quatro por dimensão linear por década ou aproximadamente 100 por um volume 3-D). A essa taxa, o tamanho das características-chave para a maioria das tecnologias eletrônicas e muitas das tecnologias mecânicas estarão ao alcance da nanotecnologia – geralmente considerada como menos de 100 nanômetros (um bilionésimo de metro) – por 2020. A eletrônica já engendrou abaixo desse percentual, apesar de ainda não tê-lo feito com estruturas tridimensionais ou com estruturas capazes de montar outras estruturas semelhantes – um passo essencial antes que a nanotecnologia possa alcançar seu promissor potencial. Por enquanto, um progresso veloz tem sido realizado na preparação de um sistema conceitual e no projeto de idéias para a futura era da nanotecnologia.
A nanotecnologia se expandiu para incluir qualquer tecnologia na qual as características-chave de uma máquina são medidas por menos de 100 nanômetros. Assim como a eletrônica contemporânea já deslizou silenciosamente para esse nano-reino [10], a área das aplicações médicas e biológicas já adentraram a era das nano-partículas, na qual objetos em nano-escala estão sendo desenvolvidos para criar testes e tratamentos mais eficientes.
Na área de testes e diagnósticos, nano-partículas já estão sendo empregadas em testes experimentais biológicos como tags e labels [11] para aumentar a sensibilidade na detecção de substâncias, como proteínas. Nanotags magnéticos podem ser utilizados para se ligarem a anti-corpos, que podem então ser lidos usando sondas magnéticas enquanto ainda estão dentro do corpo. Experimentos bem-sucedidos têm sido conduzidos com nano-partículas de ouro, ligadas à segmentos de DNA, capazes de rapidamente testar seqüências específicas de DNA em uma amostra. Pequenos glóbulos em nano-escala, chamados de pontos quantum, podem ser programados com códigos específicos, combinando múltiplas cores, semelhantes à um código de barras de cores, que podem facilitar o rastreamento de substâncias através do corpo.
No futuro, dispositivos em nano-escala executarão centenas de testes simultaneamente em minúsculas amostras de uma dada substância. Esses dispositivos permitirão que testes extensivos sejam conduzidos em amostras de sangue praticamente invisíveis.
Na área de tratamento médico, uma aplicação particularmente empolgante para essa tecnologia é o emprego de nano-partículas para entregar medicamentos à localizações específicas dentro do corpo. Nano-partículas podem guiar medicamentos para dentro de paredes celulares e através da barreira cerebral-sangüínea. Pacotes em nano-escala podem ser projetados para reter medicamentos, protegendo-os através da região gastro-intestinal, atravessando-os para localizações específicas, e então liberá-los de formas sofisticadas que possam ser influenciadas e controladas, sem fios, do lado de fora do corpo.
A Nanotherapeutics, em Alachua, Florida, desenvolveu um polímero biodegradável com alguns nanômetros de espessura que utiliza essa abordagem. Enquanto isso, cientistas da McGill University em Montreal demonstraram uma nano-pílula com uma estrutura dentro de uma escala entre 25 a 45 nanômetros. A nano-pílula é pequena o suficiente para passar através da parede celular e entregar medicamentos diretamente à estruturas específicas dentro da célula.
A MicroCHIPS, de Bedford, Massachussetts, desenvolveu um dispositivo computadorizado que é implantando debaixo da pele e administra combinações minuciosas de medicamentos a partir de centenas de fontes em nano-escala dentro do dispositivo. Espera-se que versões futuras do dispositivo sejam capazes de medir o nível de substâncias como a glicose, no sangue. O sistema poderia ser usado como um pâncreas artificial, liberando quantidades precisas de insulina, de acordo com a resposta de glicose no sangue. O sistema seria capaz também de simular qualquer outro órgão produtor de hormônios, e se as experiências ocorrerem sem problemas, o sistema poderá estar no mercado por 2008. Outra proposta inovadora é guiar nano-partículas (provavelmente compostas de ouro), à uma região de um tumor e então aquecê-lo com raios infra-vermelhos para destruir células cancerosas.
A revolução na nanotecnologia nos permitirá fazer muito mais do que simplesmente tratar de doenças. Finalmente, a nanotecnologia nos possibilitará redesenhar e reconstruir não apenas nossos corpos e cérebros, mas também o mundo com o qual interagimos. A realização total da nanotecnologia, contudo, ficará atrás da revolução biotecnológica em aproximadamente uma década. Porém, entre a metade e o fim do ano 2020, os efeitos da revolução nanotecnológica serão amplamente propagados e óbvios.
Nanotecnologia e o Cérebro Humano
A aplicação mais importante e radical dos nano-robôs, ao redor de 2030, será a de expandir nossas mentes através da fusão da inteligência biológica com a não-biológica, ou a das “máquinas”. Nos próximos 25 anos, aprenderemos a ampliar nossas 100 trilhões de conexões interneurais extremamente vagarosas, com conexões virtuais de alta velocidade via nano-robótica. Isso nos permitirá impulsionar, de forma gigantesca, nossas habilidades de reconhecimento de padrões, nossa memória e capacidade geral de pensamento, assim como interagir diretamente com poderosas formas de inteligência computacional. Essa tecnologia irá também nos proporcionar a comunicação sem fios de um cérebro para o outro.
Em outras palavras, a era da comunicação telepática está quase chegando.
Nossos cérebros atuais são relativamente invariáveis em seu desenho. Apesar de adicionarmos padrões de conexões interneurais e concentrações de neuro-transmissores como parte normal do processo de aprendizado, a capacidade geral atual do cérebro humano é altamente constrita. Quando as capacidades da inteligência artificial criada pelo ser humano (AI) começarem a ultrapassar a inteligência humana, no final de 2030, seremos capazes de progredir para além da arquitetura básica das regiões neurais do cérebro.
Implantes cerebrais, baseados em nano-robôs inteligentes distribuídos massivamente expandirão enormemente nossas memórias e irão invariavelmente aperfeiçoar todas as nossas habilidades sensoriais, cognitivas e de reconhecimento de padrões. Uma vez que os nano-robôs vão se comunicar uns com os outros, eles serão capazes de criar qualquer conjunto de novas conexões neurais, quebrar conexões existentes (suprimindo disparos neurais [12]), criar novas redes híbridas biológicas e computacionais, adicionar redes mecânicas completas, assim como interagir intimamente com novos programas de computador e inteligências artificiais.
A implementação da inteligência artificial em nossos sistemas biológicos marcará um salto evolucionário para a humanidade, mas também implicará que nos tornaremos de fato mais “máquinas” do que “humanos”. Bilhões de nano-robôs viajarão através de nossa corrente sangüínea em nossos cérebros e corpos. Em nossos corpos, eles destruirão patógenos, corrigirão erros de DNA, eliminarão toxinas e realizarão outras tarefas para elevar nosso bem-estar físico. Como resultado, seremos capazes de viver indefinidamente sem envelhecer.
Em nossos cérebros, nano-robôs vão interagir com nossos neurônios biológicos. Isso irá proporcionar uma imersão total em realidade virtual, incorporando todos os sentidos, assim como os equivalentes neurológicos de nossas emoções, de dentro do sistema nervoso. Ainda mais importante, essa conexão íntima entre nossa forma biológica de pensamento e a inteligência das máquinas que estamos criando expandirá profundamente a inteligência humana.
A área militar caminhará na direção de armas nano-baseadas, assim como cyber-armas. O aprendizado irá mover-se primeiro online, mas uma vez que nossos cérebros estiverem totalmente online seremos capazes de “fazer o download” de novos conhecimentos e habilidades. O papel do trabalho será o de criar conhecimentos de todos os tipos, de música e arte à matemática e ciência. O papel da recreação (lazer) será também o de criar conhecimento. No futuro, não haverá uma distinção clara entre recreação e trabalho.
A Revolução Robótica
Das três revoluções tecnológicas que fundamentam a Singularidade (genética, nano-mecânica e robótica), a mais profunda é a robótica ou, como é comumente chamada, a inteligência artificial consistente. Uma referência à criação de capacidade de pensamento computacional que exceda a capacidade de pensamento dos seres humanos. Estamos muito próximos do dia em que seres humanos totalmente biológicos (como nós conhecemos hoje) deixarão de ser a inteligência dominante sobre o planeta. Pelo fim deste século, a inteligência computacional ou mecânica será trilhões de vezes mais poderosa que a inteligência do cérebro humano sozinho. Argumento que computadores, ou como costumo chamar, a inteligência não-biológica, ainda deve ser considerada humana, já que é totalmente derivada da civilização homem-máquina e será baseada, ao menos em parte, numa versão feita por seres humanos de um cérebro humano totalmente funcional. A fusão desses dois mundos de inteligência não é uma fusão meramente de meios de pensamento mecânicos e biológicos, mas também e mais importante, uma fusão de método e pensamento organizacional que expandirá nossas mentes em virtualmente todos os meios imagináveis.
O pensamento humano biológico é limitado a 10 elevado à 16ª potência, em cálculos por segundo (cps [13]) por cérebro humano (baseado no modelamento neuromórfico de regiões de cérebro), e aproximadamente 10 elevado à 26ª potência em cps para todos os cérebros humanos. Esses números não mudarão de maneira substancial, mesmo com ajustes bio-projetados no nosso genoma. A capacidade de processamento da inteligência não-biológica ou da AI consistente, em contrapartida, está crescendo a uma taxa exponencial (com a própria taxa aumentando), e excederá amplamente a inteligência biológica por volta da metade de 2040.
A inteligência artificial excederá necessariamente a inteligência humana por diversas razões.
Primeiro, máquinas podem compartilhar conhecimento e se comunicar umas com as outras muito mais eficientemente do que os seres humanos. Enquanto humanos, não possuímos os meios para trocar os vastos padrões de conexões interneurais e concentrações de neuro-transmissores que incluem nosso aprendizado, conhecimento e habilidades, a não ser através da vagarosa comunicação baseada em linguagem.
Segundo, as capacidades intelectuais da humanidade foram desenvolvidas em meios que têm sido evolucionalmente encorajados em ambientes naturais. Tais capacidades, primariamente baseadas em nossa habilidade em reconhecer e extrair significado de padrões, nos permitem ser altamente proficientes em determinadas tarefas, como distinguir rostos, identificar objetos e reconhecer os sons de uma linguagem. Infelizmente, nossos cérebros são menos adaptados para lidar com padrões mais complexos, como os que existem em dados financeiros, científicos ou de produtos. A aplicação de técnicas baseadas em computador permitirá dominar completamente paradigmas de reconhecimento de padrões. Enfim, conforme o conhecimento humano migra para a Web, as máquinas demonstrarão uma crescente proficiência em ler, compreender e sintetizar toda informação homem-máquina.
O Ovo ou a Galinha
Uma questão fundamental com relação a Singularidade é quem virá primeiro: a “galinha” (AI consistente) ou o “ovo” (a nanotecnologia). Em outras palavras, A AI consistente levará à nanotecnologia total (compiladores fabricados molecularmente que possam transformar informação em produtos físicos), ou a nanotecnologia total levará à AI consistente?
A lógica da primeira premissa é que a AI consistente estaria em condições de solucionar qualquer problema de projeto necessário à implementação da nanotecnologia total. A segunda premissa é baseada na hipótese de que as necessidades de hardware para a AI consistente serão satisfeitas pela computação baseada em nanotecnologia. Da mesma forma, as necessidades de software para construção da AI consistente seriam facilitadas por nano-robôs. Essas máquinas microscópicas permitirão criar varreduras altamente detalhadas de cérebros humanos, com diagramas de como o cérebro humano é capaz de fazer todas as coisas maravilhosas que têm nos mistificado há tanto tempo, como criar significados, contextualizar informações e experimentar emoções. Uma vez que compreendamos totalmente como o cérebro funciona, estaremos aptos a recriar o fenômeno do pensamento humano em máquinas. Vamos dotar computadores, que já são superiores a nós na realização de tarefas mecânicas, de inteligência natural.
O progresso em ambas as áreas (nano e robótica) irá necessariamente utilizar nossas ferramentas mais avançadas, então o avanço em um campo facilitará, simultaneamente, o outro. Contudo, eu suponho que as descobertas mais importantes em nanotecnologia emergirão antes da AI consistente, mas apenas em alguns anos (por volta de 2025 para a nanotecnologia e 2029 para a AI consistente).
Por mais revolucionária que a nanotecnologia será, a AI consistente terá conseqüências muito mais profundas. A nanotecnologia é poderosa, mas não necessariamente inteligente. Podemos imaginar formas de ao menos tentar gerenciar o enorme poder da nanotecnologia, mas a superinteligência, por sua natureza, não pode ser controlada.
A revolução nano/robótica também nos forçará a reconsiderar a própria definição para o que é humano. Não vamos apenas estar cercados de máquinas que demonstram características distintamente humanas, como também seremos menos humanos, de um ponto-de-vista literal.
Apesar do maravilhoso potencial futuro da medicina, a verdadeira longevidade humana só será obtida quando abandonarmos nossos corpos biológicos inteiramente. Ao nos movermos em direção a uma existência baseada em software, obteremos os meios para “fazer um backup de nós mesmos [14]” (armazenando os padrões fundamentais de nossos conhecimentos, habilidades e personalidade em um ambiente digital), e com isso tornando possível uma imortalidade virtual. Graças à nanotecnologia, teremos corpos que não só poderão ser modificados como também trocados, conforme desejarmos. Seremos capazes de alterar nossos corpos rapidamente, em ambientes de realidade virtual totalmente imersivos, incorporando todos os sentidos, durante a década de 2020 e, na realidade verdadeira na de 2040.
Conseqüências da Singularidade
Em que se tornará a natureza da experiência humana, uma vez que as máquinas predominem? Quais são as implicações para a civilização humana-máquina, quando AI consistente e nanotecnologia podem criar qualquer produto, qualquer situação, qualquer ambiente que sejamos capazes de imaginar? Denoto o papel da imaginação aqui porque ainda estaremos delimitados, naquilo que criarmos, àquilo que podemos imaginar. Contudo, nossas ferramentas para trazer a imaginação à vida estão se tornando mais poderosas exponencialmente.
As pessoas muitas vezes percorrem três passos, ao considerar o impacto de uma tecnologia futura: a euforia e o deslumbre com seus potenciais para solucionar problemas de eras de idade, e então uma sensação de tristeza com os novos sérios perigos que acompanham essas novas tecnologias, seguido finalmente pela consciência (percepção) de que o único caminho viável e responsável é o de preparar uma trajetória cuidadosa que possa considerar os benefícios, enquanto se administram os perigos.
Minha expectativa particular é que aplicações construtivas e criativas para essas tecnologias irão dominar, como acredito que elas o façam, atualmente. Entretanto, precisamos aumentar muito nossos investimentos para desenvolver tecnologias de defesa específicas. Estamos em um estágio crítico em que precisamos implementar diretamente as tecnologias de defesa para a nanotecnologia, durante os próximos dez anos deste século.
Acredito que uma cessão limitada ao desenvolvimento de certas capacidades precisa ser parte de nossa resposta ética aos perigos dos desafios tecnológicos do século XXI. Por exemplo, eu e Bill Joy escrevemos um artigo conjunto recentemente, ao New York Times, criticando a publicação do genoma da gripe 1918 na web, pois isso constitui um perigoso mapa [15]. Outro exemplo construtivo disso são as diretrizes éticas propostas pelo Foresight Institute: a saber, que os nanotecnologistas (ou nanotecnólogos) concordem em limitar o desenvolvimento de entidades físicas que possam se auto-replicar em um ambiente natural, livre de controle humano ou de um mecanismo de cancelamento. Porém, favorecer muitas limitações e restrições iria minar o progresso econômico, o que é eticamente injustificável, dada a oportunidade de diminuir as doenças, erradicar a pobreza e sanitarizar [16] o meio ambiente.
Não temos que olhar para os tempos anteriores aos nossos para ver a intrincada promessa e o perigo do avanço tecnológico. Imagine descrever os perigos que existem hoje (as bombas atômicas e de hidrogênio, para começar) para as pessoas que viveram há algumas centenas de anos atrás. Eles achariam loucura assumir tais riscos. Mas quantas pessoas em 2006 realmente gostariam de retornar às vidas curtas, brutais, cheias de doenças, marcadas pela miséria, inclinadas à desastres, através das quais 99% da raça humana lutou, há dois séculos?
Podemos romantizar o passado, mas até muito recentemente a humanidade vivia vidas frágeis, nas quais um infortúnio completamente comum poderia significar um desastre. Duzentos anos atrás, a expectativa de vida para mulheres, no país recordista (a Suécia), era de meros 35 anos, bastante curta, se comparada à maior longevidade atual – de quase 85 anos para as mulheres japonesas. A expectativa para homens mal chegava aos 33 anos, comparados aos atuais 79. Metade de um dia era necessário para preparar uma refeição noturna, e o trabalho pesado caracterizava grande parte da atividade humana. Não haviam redes de segurança social. Porções substanciais de nossa espécie ainda vivem dessa forma precária, o que é pelo menos uma razão para continuar o progresso tecnológico e a melhoria econômica que o acompanha. Somente a tecnologia, com sua habilidade para proporcionar avanços em ordem de magnitude em capacidade e acessibilidade, possui a grandeza para confrontar problemas como a miséria, a doença, a poluição e as outras preocupações primordiais da sociedade atual. Os benefícios de nos aplicarmos a esses desafios não podem ser exagerados.
Com a Singularidade se aproximando, teremos que reconsiderar nossas idéias sobre a natureza da vida humana e redesenhar nossas instituições humanas. A inteligência sobre e ao redor da Terra continuará se expandindo exponencialmente até alcançarmos os limites da capacidade da matéria e da energia em suportar computação inteligente. Ao nos aproximarmos deste limite no nosso canto da galáxia, a inteligência de nossa civilização se expandirá para além, para o resto do universo, alcançando rapidamente a mais alta velocidade possível. Entendemos essa velocidade como sendo a da luz, mas existem sugestões de que possamos ser capazes de driblar esse limite aparente (imaginavelmente pegando atalhos através de “wormholes [17]”, ou seja, atalhos hipotéticos através do espaço e do tempo).
Uma visão comum é de que a ciência tem corrigido consistentemente nossa exageradamente inflada visão da nossa importância. Stephen Jay Gould disse: “Todas as revoluções científicas mais importantes incluem, como seu único fator comum, o destronamento da arrogância humana, um pedestal depois do outro, quanto às nossas prévias convicções a respeito de nossa centralidade no cosmos”.
Ao invés disso, a verdade é que somos mesmo centrais. Nossa habilidade em criar modelos de realidades virtuais – em nossos cérebros, combinada com nossos modestos polegares, foi suficiente para impulsionar outra forma de evolução: a tecnologia. Esse desenvolvimento tornou possível a persistência do passo acelerado que começou com a evolução biológica. Ele continuará até que o universo inteiro esteja nas pontas de nossos dedos.
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Este artigo foi traduzido (interpretado) com o único intuito de disseminar as idéias de Raymond Kurzweil no tocante à Teoria da Singularidade. Contribuições e sugestões não só serão bem-vindas como também constituem o propósito deste documento, uma vez que o esforço de interpretação, de minha parte, poderá eventualmente se mostrar insuficiente.. Qualquer adição a ele deverá ser enviada para giuliano.valverde@gmail.com.
[2] Gostaria muito que algum leitor contribuísse, aqui. Preciso de uma tradução melhor para The coming into being of such world is, in essence, the Singularity.
[3] Aguardo contribuição para a tradução da palavra quickening de uma maneira que se encaixe melhor nesse contexto.
[4] Aguardo contribuição: [ … ] because it’s the most important failure that prognosticators make in considering future trends.
[5] A melhor forma que pude encontrar para [ ... ] But the future will be far more surprising than most people realize, because few observers have truly internalized the implications of the fact that the rate of change is itself accelerating.
[11] Tags and labels. Decidi manter as palavras originais, já que muitos conseguirão compreender seu significado melhor, dessa forma.
[15] A palavra original é blueprint. Sei que se refere à uma planta-baixa ou a um mapa arquitetônico, por exemplo, mas não consegui encontrar uma palavra que melhor se encaixasse ao significado, portanto aguardo sugestões.
[16] [ … ] clean up the environment. Optei por utilizar o verbo “sanitarizar” para expressar uma limpeza mais aprofundada, e pelo termo “meio ambiente”, ao invés de “ambiente”, apenas, para denotar um sentido maior ao leitor desta língua, já que se aproxima mais da idéia real da palavra, ou seja, do ambiente natural (incluindo toda a biosfera), que de fato requer uma “sanitarização”.
1 Comments:
Sem dúvida, se essas tendências se concretizarem e se tivermos sorte, viveremos o suficiente para testemunhar o declínio das religiões. Ah, como eu queria ver um negócio desse! Que maravilhosa seria a vida num mundo sem religião!
por Eduardo Vianna, Ã s novembro 24, 2011
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